segunda-feira, fevereiro 14, 2011

A plantadora de agrovilas

Uma empresária paulista constrói “cidades do bem” no Nordeste para gerar emprego e renda. Com elas, muda a vida de milhares de famílias
VICTOR FERREIRA, DA SERRA DO CATIMBAU (PE)
Léo Caldas
TRANSFORMAÇÃO
Alcione e as crianças da agrovila construída na Serra do Catimbau, acima. Abaixo, Silva e Helena na sala da casa em que vivem com os filhos. “Agora eu tenho fogão e geladeira”, diz ela
Léo Caldas

  Reprodução
Em 2004, a empresária paulista Alcione de Albanesi passava pela Serra do Catimbau, em Pernambuco, quando deu de cara com uma fazenda com 548 hectares de terras improdutivas. Ao explorar a propriedade, Alcione bateu à porta da primeira casa que viu e perguntou pelo dono do terreno. Ao ouvir que as terras não estavam à venda, insistiu. “Eu queria construir uma cidade naquele terreno”, diz ela. O projeto, nascido de uma inspiração súbita, deu certo. Atualmente, 600 pessoas vivem na nova “cidade” – uma agrovila que produz 100 toneladas de caju por ano. A usina de beneficiamento da castanha, inaugurada em novembro do ano passado, mudou ainda mais a vida dos moradores da região do Catimbau, oferecendo emprego e renda.

Essa mudança é resultado do projeto Amigos do Bem, que, desde 2004, tem construído agrovilas com infraestrutura de cidades em Pernambuco, no Ceará e em Alagoas. Já são quatro “cidades do bem” equipadas com centro educacional, mercearia, centro médico, farmácia e área de lazer. Nelas vivem 3.410 pessoas, cerca de 300 delas com carteira de trabalho assinada. “Nossas agrovilas ainda não são autossuficientes em termos econômicos, mas caminham para isso”, diz Alcione. Em 2007, os Amigos do Bem venceram a primeira edição do Projeto Generosidade, da Editora Globo, e receberam R$ 100 mil. O dinheiro foi investido na construção de um centro odontológico.
O projeto Amigos do Bem começou em 1993, quando Alcione levou pela primeira vez um grupo de empresários para doar cestas básicas a famílias pobres do sertão nordestino. Dez anos depois, a distribuição passou a ser mensal. Mas, para ela, ainda não bastava. Para transformar – palavra que Alcione gosta de repetir –, era preciso mais. Nasceu então o projeto de agrovilas que dura até hoje. Ele é sustentado por uma instituição com sede em São Paulo que capta doações de empresários e administra a parte empresarial do empreendimento. O prestígio de Alcione como empresária ajuda nas arrecadações. “Em julho do ano passado, em 48 horas eu consegui duas carretas com roupas de frio.” A organização distribui alimentos e roupas todo mês a 9.600 famílias. Alcione passa de dez a 15 dias por mês no Nordeste monitorando os trabalhos da instituição.
Aos poucos, em consequência dessa atividade, a vida na Serra do Catimbau vai mudando. A casa de taipa em que José Pereira da Silva e Helena Tavares da Silva viviam com os 12 filhos era pequena. O fogão, uma improvisada pilha de tijolos com lenha. Sem emprego, Silva sustentava a família “criando uns bichos para vender”. Os filhos menores não iam à escola. Os maiores, quando iam, tinham de caminhar seis horas para ir e voltar. A vida no Breu, um povoado na região do Catimbau, ainda é assim – a família de Silva, porém, não vive mais lá. Mora na agrovila do Vale do Catimbó, numa casa bem mais espaçosa. “Cada um tem sua cama”, diz Silva, de 40 anos. Com carteira assinada, ele recebe um salário mínimo por mês para trabalhar na plantação de caju. Todos os filhos vão à escola de ônibus, em dez minutos. Enquanto o marido conta a história, a mulher, Helena, sorri. “Aqui a gente mudou nossa vida”, diz ela. “Muita coisa que eu não tinha antes, aqui eu posso ter.”
Nas quatro agrovilas construídas pelos Amigos do Bem, as famílias vivem em casas de alvenaria mobiliadas e cada uma delas tem pelo menos uma pessoa contratada com carteira assinada para trabalhar na lavoura. Em contrapartida, as famílias têm de mandar os filhos para a escola e se comprometem a ficar longe do álcool e das drogas. Isaías Bezerra da Silva está na fila para um emprego na fazenda. Enquanto isso, vive fora da vila, na zona rural. Depende das doações mensais dos Amigos do Bem para criar, sozinho, três filhas de 15, 14 e 8 anos. “A mulher foi embora com outro cabra”, diz. Enquanto as meninas se dividem entre as tarefas domésticas e a escola, Bezerra faz bicos. Conta que precisou de meses para guardar dinheiro suficiente para comprar a casa de taipa em que vive com as filhas. O valor: R$ 600.
Alcione, a presidente dos Amigos do Bem, leva todos os anos um grupo de empresários para participar da distribuição de cestas básicas no sertão. É sua forma de colocá-los em contato direto com a realidade que estão ajudando a mudar. No mês passado, um grupo que saiu de São Paulo ficou impressionado com a pobreza da casa de Isaías. O anfitrião não entendia por que tiravam tantas fotos da palha que faz as vezes do colchão e das pedras usadas como fogão. Mas não se incomodou. “Podem ir entrando. É pequeno, mas a gente dá um jeito”, disse. Essa é uma vida que os Amigos do Bem podem transformar.

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