quinta-feira, maio 26, 2011

Milicianos tomaram imóveis do Minha Casa, Minha Vida e passaram a vendê-los por até R$ 40 mil

Miliciano vendem apartamento do programa Minha Casa, Minha Vida no condomínio Ferrara, em Realengo (Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo)
Sérgio Ramalho (O Globo)

RIO - A deficiente visual Maria Aparecida Silva, de 60 anos, vive com o filho desempregado num casebre de madeira numa área de risco no alto do Morro São Sebastião, em Realengo, na Zona Oeste. Cadastrada no programa do governo federal Minha Casa Minha Vida, sua família é uma das 74 da região que foram impedidas por milicianos de ocupar, em fevereiro passado, apartamentos no Condomínio Ferrara, em Campo Grande. Invadidos pela milícia do ex-PM Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman, os 143 apartamentos de dois quartos e sala eram destinados ao reassentamento de famílias com renda inferior a três salários-mínimos, mas vinham sendo vendidos ilegalmente por valores que variavam de R$ 5 mil a R$ 40 mil. Até uma imobiliária de fachada era usada nas negociações. Na manhã desta quinta-feira, por determinação da Justiça, que atendeu a um pedido da Caixa Econômica, uma operação da PM e da Polícia Federal será realizada para a retomada dos imóveis. Na quarta-feira, oficiais de Justiça, apoiados por policiais militares e funcionários da Secretaria municipal de Habitação, entregaram notificações aos invasores , com prazo de 24 horas para que deixassem os apartamentos. Os futuros moradores, contudo, temem represálias dos paramilitares, que ameaçam expulsar os reassentados e depredar os imóveis.

Por telefone, uma mulher identificada como Elizangela disse a um repórter do GLOBO que um apartamento no conjunto custaria R$ 40 mil, mas sem a documentação. O valor supera em muito o cobrado pelos milicianos em fevereiro. Na ocasião, muitos invasores teriam pagado ao grupo paramilitar entre R$ 2 mil e R$ 7 mil.
Secretário: PMs não se empenharam
Por duas semanas, uma equipe do GLOBO fez contatos simulando querer comprar um dos apartamentos invadidos no conjunto, localizado na Estrada dos Caboclos. Na imobiliária Cooperativa - que faz propaganda da venda dos imóveis, mas não tem inscrição na Junta Comercial -, Elizangela descreveu os apartamentos, dando as mesmas dimensões (42 metros quadrados) das unidades do Minha Casa Minha Vida. Segundo ela, imóveis com documentação são vendidos por R$ 60 mil:
- Mas sem documento pode sair por R$ 40 mil - ofereceu.
No início do mês, O GLOBO revelou que a milícia do ex-PM Batman estava cobrando taxas de segurança de cerca de dez mil moradores de 2.709 imóveis, em 11 conjuntos do Minha Casa Minha Vida, em Campo Grande, Cosmos e Realengo. Na ocasião, o secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, disse que a atuação dos grupos paramilitares poderia pôr em risco a continuidade do programa, que prevê a entrega este ano de 12 mil unidades, 80% delas na região. Bittar acrescentou que, em fevereiro passado, pouco após as invasões, os PMs designados para atuar no local não se empenharam no combate aos milicianos:
- Na época, testemunhas disseram ter visto milicianos armados no condomínio, mas os PMs não prenderam nenhum deles - disse Bittar.
O controle dos novos condomínios por milicianos foi tema da série do GLOBO "Vidas em bloco", sobre os cem anos dos conjuntos habitacionais do Rio, publicada no início deste mês . Uma das reportagens mostrou que a polícia também investiga a atuação da milícia de Batman nos condomínios Livorno, Trento e Treviso, todos do Minha Casa Minha Vida, em Cosmos. Neles, foram vistos símbolos do grupo paramilitar pintados nos muros, embora houvesse assistentes sociais da prefeitura há três meses no local.
Muitos invasores pagaram até R$ 7 mil aos milicianos para ficar com os apartamentos. Agora eles dizem que não vão deixar os apartamentos e, se forem obrigados, vão quebrar tudo e botar fogo na rede de abastecimento de gás
A venda e a locação dos apartamentos invadidos no Ferrara foram relatadas em denúncias recebidas pelo setor de inteligência da Secretaria de Segurança. Alguns dos denunciantes disseram que PMs usaram patrulhas para apoiar a invasão dos imóveis por milicianos. A ocupação ilegal dos 143 apartamentos vem gerando conflitos entre invasores e famílias reassentadas, que passaram a conviver com ameaças até mesmo de morte:
Policiais reforçam a segurança no condomínio, para evitar tumultos (Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo)
- Muitos invasores pagaram até R$ 7 mil aos milicianos para ficar com os apartamentos. Agora eles dizem que não vão deixar os apartamentos e, se forem obrigados, vão quebrar tudo e botar fogo na rede de abastecimento de gás. Tenho muito medo de ir para lá, mas minha casa foi condenada pela Defesa Civil e não tenho para onde levar minha família - disse uma empregada doméstica de 42 anos, moradora do Morro São Sebastião.
Com medo de retaliações dos milicianos, ela pediu anonimato para falar sobre as ameaças e a venda dos apartamentos invadidos:
- Eu estive no condomínio duas vezes. Uma delas, pouco antes da invasão. Minha filha estava tão feliz, porque ia ganhar um quarto só para ela. Quando voltei, depois da ocupação, tive medo. As pessoas que invadiram o prédio ameaçaram a gente.

Para as famílias do Morro São Sebastião, o medo faz parte da rotina. Na localidade, classificada como de alto risco, moradores convivem com ameaças de deslizamento. Há pouco mais de um ano, uma tempestade que atingiu o Rio provocou rachaduras nas casas. Algumas ficaram com o piso desnivelado. É o caso do barraco de madeira onde vive a pensionista e deficiente visual Maria Aparecida:
- Quando chove, a casa é tomada pela água, que desce do barranco como se fosse uma cachoeira. É um desespero, mas a gente não tem para onde ir - lamenta.
Situação semelhante é enfrentada pela família da empregada doméstica Francisca Menezes. Na casa onde ela vive com a filha e a neta, há rachaduras por toda parte. As paredes estão tomadas por infiltrações. Segundo Francisca, quando chove, a família busca refúgio na sede da associação de moradores. No último temporal, no mês passado, o piso da varanda cedeu.
Para impor o medo aos moradores, o grupo chefiado por Batman - o ex-PM está preso numa penitenciária de segurança máxima em Mato Grosso do Sul - costuma invadir as áreas internas dos condomínios, exibindo armas e até fazendo disparos para o alto. Em Realengo, moradores dos condomínios Vivendas do Ipê Branco e Vivendas do Ipê Amarelo, cada um com 299 unidades, tiveram as ligações de água da Cedae cortadas por um grupo paramilitar. Em troca do restabelecimento do serviço, os milicianos cobraram taxas de cem reais, mais um percentual referente ao valor das contas.
De acordo com o secretário Jorge Bittar, após os moradores terem denunciado o problema, a Cedae restabeleceu o fornecimento de água nos 598 imóveis. Apesar disso, os milicianos continuam agindo na região, cobrando taxas de segurança e oferecendo serviços clandestinos de internet e TV a cabo.

2 comentários:

  1. Nilo,
    Registra aí no blog: amanhã (sexta - 27 de maio), é aniversário de meu avô Ferreirinha. Está fazendo 93 anos, juntamente com sua loja que completa 95 anos. Uma outra data importante e que passou em branco aqui foi os 90 anos da Associação Comercial de Crateús. Temos que nos orgulhar, instituições que duram 90 / 95 anos em nossa cidade é um marco a se comemorar.
    Norberto Bonfim.

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  2. Mais uma sobre o "Minha casa, minha mentira."

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