domingo, abril 07, 2013

Reserva é exemplo de conservação no sertão do CE

As visitas à Serra das Almas servem para demonstrar a importância de conservar o bioma Caatinga
Crateús No dia 28 abril será comemorado o Dia Nacional da Caatinga. Para o secretário executivo da Associação Caatinga, Rodrigo Castro, existem muitos motivos para comemorar: "Isso não significa que o caminho não seja muito longo e árduo. Temos a festejar uma mudança de atitude histórica, em relação à Caatinga. Hoje você vê cada vez mais as pessoas interessadas, com vontade de conhecer o bioma".

A preservação da flora e da fauna é destaque na Reserva da Serra das Almas Fotos: Kid Júnior
Segundo Castro, a repercussão da campanha do tatu-bola para mascote da Copa do Mundo, capitaneada pela Associação, é um exemplo do interesse e curiosidade da sociedade, o que mostra que existe disposição para conhecer o diferente. "Para nós essa é a porta de entrada. Precisamos trabalhar essa disponibilidade das pessoas de refazer o conceito delas sobre a Caatinga. Existem sim uma mudança de atitude, uma mudança de visão, porém existem desafios, que são mais velozes do que o nível de conscientização. Então é inversamente proporcional a sensibilização e o seu resultado em relação ao nível de desmatamento", alerta.

Nas trilhas, é possível entrar em contato com diversas espécies típicas da Caatinga


Ocupando cerca de 10% do território nacional, o bioma Caatinga vem sofrendo há décadas um processo de fragmentação em pequena escala, com desmatamentos pontuais em seus mais de 830 mil km² distribuídos em oito Estados do Nordeste (com exceção do Maranhão) e no Norte de Minas Gerais. "É um desmatamento generalizado, mas realizado por pequenos e médios agricultores na busca de abrir mais terra para o cultivo na próxima estação chuvosa, o que está elevando os níveis de desmatamento da Caatinga, atualmente", explica o secretário executivo da Associação Caatinga. Conforme estimativas da Associação Caatinga, pelo menos 50% do bioma já foram desmatados e estão sendo degradados, acelerando o processo de desertificação.

Desde sua criação, em outubro de 1998, a instituição vem desenvolvendo projetos para preservar o bioma e tentar minimizar os impactos da degradação acentuada. Em 1999, com recursos do Fundo Samuel Johnson, criado por um empresário americano, e gerido pela organização internacional The Nature Conservancy (TNC), oito fazendas situadas nos municípios de Crateús e Buritis dos Montes, nos Estados do Ceará e Piauí, respectivamente, foram adquiridas e transformadas em área de preservação. No ano 2000, a Reserva Natural Serra das Almas, com seus 6.146 hectares, foi reconhecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).

Situada no Sertão dos Inhamuns, a Reserva Natural Serra das Almas, segundo Rodrigo, só funcionou porque contou com o envolvimento das comunidades do entorno no esforço de conservação. "Depois de terem uma fase inicial de desconfiança com perguntas do tipo: ´esse pessoal veio aqui comprar terra para não derrubar, não tirar lenha, não fazer carvão? Para que eles querem?´ Tivemos que romper com um paradigma complicado. Mas, em 12 anos de trabalho, temos 5.700 pessoas no entorno aliadas da Serra das Almas".

De acordo com ele, atualmente mais da metade de toda a população que vive no entorno da Reserva é parceira da Associação Caatinga. "Para nós, isso é uma grande conquista porque, sem eles, não conseguiríamos evitar a caça, queimadas e reduzir o risco de incêndio na reserva. Tudo isso só acontece graças a essa rede de comunitários que de alguma forma estão envolvidos no projeto e que acreditam que o mais importante hoje é a preservação da Serra das Almas", comemora. Mas, no início, não foi tão simples: "Foram anos de muito trabalho e hoje podemos dizer que foi satisfatório. A caça diminuiu bastante, os incêndios florestais, também. E isso é resultado dessa aproximação com a comunidade".

Além do trabalho na Serra das Almas, a instituição tem atuado em outras frentes para ampliação de áreas preservadas, como a promoção e apoio para a criação de novas reservas ambientais: "Trabalhamos dentro de uma lógica de que existem regiões na Caatinga que precisam ser preservadas antes que desapareçam. Esses locais têm uma função muito importante em relação a serviços ambientais, proteção de nascentes, regulação do microclima, atração de chuvas, combate à erosão e fazer frente à questão da desertificação, pois as áreas protegidas têm uma função muito importante neste processo".

Além disso, de acordo com Rodrigo Castro, proprietários rurais são incentivados a criarem RRPNs, propriedades rurais particulares para ampliar as áreas protegidas na Caatinga e o governo do Estado é auxiliado na identificação de novas áreas para criação de Unidades de Conservação (UCs) públicas.

Neste contexto, Castro destaca a importância das UCs como estratégia para mitigar e promover adaptação às mudanças climáticas. Segundo ele, o agricultor que vive na Caatinga só terá alternativas se houver áreas com cobertura vegetal que possam garantir os processos ecológicos mínimos para assegurar a vida, o combate à erosão, o microclima e o controle de pragas.

"A floresta na Caatinga é igual às outras florestas, inclusive nos riscos ambientais atrelados. Se desmatar a Caatinga toda vai ser muito mais difícil enfrentar o aumento de temperatura que já esta acontecendo e vem mais forte no futuro. Sem áreas verdes e que retenham umidade, que protejam as nascentes dos rios, como é que se vai sobreviver ao aumento da temperatura nas próximas décadas entre 2ºC e 6º, conforme o previsto? O que isso implica em termos de propensão à desertificação? Aumenta a evaporação, que já é imensa. A água vai deixar de existir na Caatinga se não tivermos áreas preservadas", conclui.

Informações:
Rua Instituto Santa Inês, 658
Centro - Crateús (CE)
Fone/Fax (88) 3691.8671
E-mail: reserva@acaatinga.org.br
Site: http://www.acaatinga.org.br/ 

Visitantes envolvidos pela flora e fauna
As visitas são agendadas e guiadas por guarda-parques para evitar danos à flora, à fauna e possíveis acidentes com animais peçonhentos. Além disso, as informações repassadas por esses guias ajudam a enriquecer a experiência de quem conhece pouco da natureza da região
No fim da Trilha do Lajeiro, os visitantes encontram a planície rochosa que dá nome à caminhada. Ali, a macambira (Bromelia laciniosa), o xiquexique (Pilosocereus polygonus) e outras espécies confundem entre as pedras e seus belos formatos, proporcionando uma bela paisagem. A reserva também abriga várias espécies animais, algumas ameaçadas de extinção. No último levantamento foram encontradas 45 espécies de mamíferos, 237 de aves, 44 de répteis e 34 de anfíbios. Nas trilhas é possível encontrar várias delas, o que depende de silêncio e atenção.

Depois de mais de uma hora na Trilha do Lajeiro, seguimos para os dois quilômetros da Trilha dos Macacos, que segue o caminho do Riacho das Melancias. Cercados pela mata seca e ciliar, o sentimento naquele local é de integração total com a natureza. Os macacos- prego (Cebus apella) não apareceram, mas o canto dos pássaros, dos sapos e o barulho das águas do riacho nos envolveram.

Segundo Ewerton Torres Melo, gerente da Reserva Natural Serra das Almas, o riacho tem suas matas ciliares totalmente preservadas, protegendo o curso de água, retendo sedimentos e evitando erosão. A mata ciliar filtra os poluentes e, em qualquer bioma, é considerada Área de Preservação Permanente (APP). A oiticica (Licania rigida) é uma das espécies encontradas nesta mata ciliar, que fornece sombra e cria um microclima que favorece e permite a conservação do Riacho das Melancias.

Um dos pontos altos da Trilha dos Macacos, fora a possibilidade de avistar os macacos-prego, é uma rocha cercada por uma gameleira, entre os gigantes blocos de pedras. A gameleira utilizou a rocha para se apoiar e crescer, com suas raízes que ajudam a fixar o solo, evitando a erosão dos sedimentos do rio e seu assoreamento.

A Associação Caatinga está fazendo na Trilha dos Macacos o anelamento de mangueiras. Isso porque, árvores que não são nativas da Caatinga são proibidas em uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN), por isso precisam ser retiradas gradualmente da mata. Para tal, os técnicos da Associação, extraem a casca de parte do tronco para que os nutrientes não cheguem ao alto das mangueiras, que vão morrendo as poucos. Pode parecer uma coisa ruim, mas as mangueiras não permitem que as plantas nativas se desenvolvam e esse trabalho favorece o aumento e desenvolvimento de novas espécies nativas.

Na chegada do Mirante da Trilha dos Macacos, avistamos um urubu, que parecia arredio, como se estivesse protegendo suas crias. Passamos pelo pássaro e nos deparamos com uma vista espetacular de uma área de reserva. A visão, de mais de 6 mil hectares preservados, emociona. Voltamos, mas já pensando na maior e mais desafiante caminhada, a Trilha das Arapucas.

No dia seguinte, acordamos às 5h e, depois de tomar café, seguimos para a desafiante caminhada até os dois mirantes no alto da Serra das Almas. Advertidos, ao entrarmos na trilha, os olhos são voltados para o chão, em virtude da grande quantidades de peçonhentas. Mas o que vimos mesmo foram galhos de árvores caídos pelo caminho. Segundo o guia Ronaldo, os ventos e as chuvas são os responsáveis pelas derrubadas.

A cada passada, os buracos de tatu-bola, o cheiro da mata e o canto de pássaros e cigarras nos envolvem. Nos lados da trilha, mata fechada e a esperança de avistar um caititu, uma onça parda ou uma jaguatirica. Enquanto seguimos, nos contentamos com os beija-flores, formigas e borboletas cruzando nosso caminho. As borboletas eram maioria. Amarelas, brancas, laranjas e cinzas, elas nos envolviam e se agarravam às nossas roupas.

Depois de 1h50 de intensa caminhada, enfim o prêmio: uma visão maravilhosa. De um lado, o restante da reserva e do outro comunidades rurais de Crateús, embaixo de um céu cinza claro, contrastando com a imensa área verde, pois, mesmo a pouca chuva deste ano fez com que a serra ganhasse um contorno verde. Deixamos a Reserva certos de que a Caatinga tem um espaço preservado ali. Que essa experiência de conservação perdure e possa ser ampliada.

SAIBA MAIS
Formações vegetacionais
Carrasco - Formação arbustiva estacional densa decídua montana

Mata Seca - Formação florestal estacional decídua submontana

Caatinga - Formação não florestal estacional arbórea/arbustiva decídua espinhosa

Árvores - mororó (Bauhinia spp.) , juazeiro (Ziziphus joazeiro), pau-d´arco (Tabebuia ochracea), jaborandi (Pilocarpus spicatus), aroeira (Myracrodruon urundeuva), jurema-preta (Mimosa tenuiflora), sabiá (Mimosa caesalpinifolia), jatobá (Hymenaea spp.), mofumbo (Combretum spp.), espinheiro (Acacia glomerosa).

Cactos - mandacaru (Cereus jamacaru), xique-xique (Pilosocereus gounellei), coroa-de-frade (Melocactus macrodiscus)

Bromeliáceas - macambiras e croatás pertencem aos gêneros Encholirium e Bromelia

Fauna - 45 espécies de mamíferos, 237 de aves, 44 de répteis e 34 de anfíbios

Espécies ameaçadas - jaguatirica (Leopardus pardalis), suçuarana (Puma concolor), veado catingueiro (Mazama gouazoubira)

Uma experiência inesquecível
"Gosto de fotografar a natureza, pássaros e insetos. E naquele local, estava cercado de tudo isso e muito mais"
As dores nas costas e no joelho não refrearam o meu ânimo e não me fizeram nem pensar em desistir. Depois de dois dias e 19 quilômetros de caminhadas por três trilhas de um santuário preservado no meio do Sertão dos Inhamuns, no Ceará, a sensação era de alegria e satisfação por ter resistido e conseguido aproveitar cada momento.

Pausa para descanso dos repórteres durante as trilhas na Serra das Almas


A Reserva Serra das Almas, com seus mais de 6 mil hectares de flora e fauna nativas da Caatinga confirmou as minhas boas expectativas. Ao lado de colegas de trabalho e de um guarda-parque experiente, a viagem foi marcada por descontração e deslumbramento pelo belo visual.

Às vezes, as passadas eram rápidas e apressadas para cumprir o cronograma, mas eu insistia em anotar as impressões de tudo que via e ouvia no bloco que carregava. Quando não dava tempo de anotar, o jeito era registrar em um gravador portátil que trazia no bolso.

E não foi pouca coisa. A cada nova formiga, borboleta, beija-flor ou abelha, seguia andando e escrevendo com as letras tortas no papel ou com a voz trêmula (pela falta de fôlego) no gravador. Queria guardar tudo, fosse na memória, na tinta da caneta, ou nos meus companheiros digitais (gravador e celular).

Gosto de fotografar a natureza, pássaros e insetos. E naquele local, estava cercado de tudo isso e muito mais. A cada planta diferente que encontrava, buraco ou marcas de pegadas, perguntava ao Ronaldo, nosso guia, o que era aquilo. Ele nos explicava com a paciência e o sorriso de quem já respondeu do que se tratava, dezenas, centenas de vezes, mas sempre pronto para explicar.

Acho que essa atitude dele fez com que o meu foco fosse ainda maior e, quando as pernas começavam a cansar, eu pensava: ainda tem muito para ver. E tinha mesmo. Riacho, lajeiro, rochas, plantas, bichos, mirantes com vistas espetaculares. A Caatinga preservada, enfim.

Poderia ter ficado decepcionado por não ter visto onça, caititu, macaco-prego, jaguatirica e nem veado mateiro. Mas só em saber que existe um lugar como aquele, em que essas e outras espécies da fauna e da flora do bioma Caatinga podem usufruir de um refúgio seguro, com água e alimento garantidos, valeu todo o esforço.

Tivemos, então, que seguir viagem, mas deixei a Reserva Serra das Almas com duas únicas certezas: a de que voltaria ali em outro momento e a de que incentivaria outros a fazer o mesmo. É uma visita que realmente vale a pena, mas é preciso reservar pelo menos dois dias para aproveitar tudo.

EMERSON RODRIGUESREPÓRTER 

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