domingo, julho 14, 2013

Brasil!

POLÍTICA

Governo patina em grandes obras do PAC: prazos não são cumpridos

Entre os 42 empreendimentos que custam mais de meio bilhão, só 21 foram entregues
Paulo Celso Pereira, O Globo
Na campanha de 2010, a então candidata Dilma Rousseff apareceu em um de seus primeiros programas na televisão rodando o país para mostrar realizações do governo do presidente Lula e fazer novas promessas. Para tratar da infraestrutura, escolheu a cidade de Ouro Verde de Goiás, onde, sobre os trilhos da Ferrovia Norte-Sul, bradou: “Para o Brasil seguir mudando, vamos seguir investindo em infraestrutura, com novas ferrovias, estradas, portos e aeroportos. E apoiar fortemente o setor produtivo nacional”.

Ferrovia Norte-Sul, Goiás: inacabada. Foto: O Globo

Ao fundo, trabalhadores soldavam os trilhos da obra. Três anos após a visita de Dilma, os trilhos de Ouro Verde estão sem utilização, cobertos por uma camada de ferrugem, e o mato cresce ao redor. A situação da Norte-Sul serve como metonímia daquilo em que se transformou boa parte do PAC, que alavancou a candidatura da gestora Dilma em 2010 e pode ter efeito oposto, em 2014. Das 42 maiores obras apresentadas no primeiro balanço do PAC, em abril de 2007, apenas metade entrou em operação até hoje.


POLÍTICA

Bandeira do Brasil tem aumento de vendas e ganha status de ícone pop

Com altos e baixos ao longo da História, símbolo é consagrado após manifestações
Joana Dale, O Globo
Ao fim do ato que reuniu 300 mil manifestantes e deixou 62 feridos na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, quatro jovens enrolados em bandeiras do Brasil formaram uma barreira humana como forma de protestar pacificamente diante de um corredor de policiais. Não houve mais confronto naquela quinta-feira de junho.
Na mesma noite, em Brasília, um dos sete PMs que encorpavam o cordão de isolamento do Palácio do Itamaraty deixou pistola e cassetete no bolso e, instintivamente, levantou a bandeira do Brasil que havia achado no chão. O gesto mexeu com o sentimento de amor à pátria dos protestantes, que recuaram, e ajudou a impedir uma invasão em massa à sede do Ministério das Relações Exteriores.

Foto: O Globo

De Fortaleza, Neymar publicou uma foto da bandeira do Brasil no Instagram, acompanhada de um texto de apoio à onda de manifestações, horas antes de enfrentar o México. Assim, cativou ainda mais o povo.
Usada como capa, transformada em escudo ou replicada nas redes sociais, a bandeira vive um momento de consagração como símbolo-mor do patriotismo exaltado nas ruas nas últimas semanas.
— A bandeira nunca foi tão popular, nem mesmo nas Diretas Já ou no impeachment do Collor — afirma Paulo Baía, professor do Departamento de Sociologia da UFRJ.
O sociólogo observa que a forma como o símbolo foi apropriado pelos brasileiros também é inédita na História do país:
— Tradicionalmente, a população toma posse da bandeira na Copa do Mundo, um movimento sociocultural. Agora, é uma forma de dizer: “O Brasil é nosso.”
Enquanto bandeiras de partidos políticos e entidades de classe, como sindicatos, são rechaçadas nas marchas, o emblema verde e amarelo figura como uma espécie de “bandeira branca”.


POLÍTICA

Mercadante, o articulador do caos, por Elio Gaspari

Elio Gaspari, O Globo
Na condição de articulador de iniciativas da doutora Dilma, o comissário Aloizio Mercadante patrocinou três lances de gênio. A saber:
1) A convocação de uma Constituinte exclusiva para fazer uma reforma política. Durou 24 horas.
2) A convocação de um plebiscito para que o eleitorado definisse os marcos da reforma. Durou duas semanas.
3) Com o copatrocínio do ministro Alexandre Padilha, da Saúde, propôs a reorganização do ensino médico, aumentando-o de seis para oito anos.
Na semana passada, informou-se aqui que as burocracias do MEC e das universidades federais faziam uma exigência maluca para médicos formados no exterior que quisessem revalidar seus diplomas.
Caso queira trabalhar no Brasil, um doutor que se formou em Harvard e trabalha na clínica de Cleveland é obrigado a atestar que mora em Pindorama, mesmo tendo nascido aqui. Sem isso, não pode pedir a revalidação, que demora até um ano. Até lá, vive de quê?


A exigência será eliminada, tudo bem, mas havia coisa pior. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep, não sabe dizer quem pôs o jabuti na forquilha do programa Revalida, muito menos por quê.
Essa mesma condição é exigida na rotina das revalidações de universidades federais. Puro obstáculo para blindar o mercado. Produto da onipotência dos educatecas.
Agora Mercadante e Padilha querem que os estudantes de Medicina trabalhem no SUS por dois anos. Novamente, trata-se de um exercício de onipotência.
Ele se esconde atrás do argumento do aperfeiçoamento dos médicos. Trata-se de uma lorota, pois o Brasil tem Medicina há séculos e suas deficiências não derivam da formação dos doutores, mas do desperdício de dinheiro público e da ganância dos interesses privados, inclusive de médicos.


GERAL

Suspeita de fraude em licitação para recuperar lagoas da Barra

‘Época’ divulgou resultado de concorrência antes da decisão final
O Globo
A licitação para as obras de despoluição do conjunto de lagoas de Jacarepaguá e Barra da Tijuca pode ter sido fraudada. É o que mostra reportagem da revista “Época” desta semana.
Cinco dias antes de a Secretaria Estadual do Ambiente (SEA) anunciar o consórcio ganhador — formado pelas construtoras Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez —, a revista, que diz ter sido informada previamente sobre o desfecho do processo licitatório, publicou os nomes das vencedoras em um anúncio cifrado nos classificados de um jornal fluminense, antecipando o resultado. As obras estão orçadas em R$ 673 milhões.
De acordo com a reportagem, embora oito construtoras tivessem feito visita técnica ao local da obra, um pré-requisito para ingresso na concorrência, apenas dois representantes foram à sede da SEA, na Avenida Venezuela, no Centro do Rio, no último dia 14 — data para a entrega das propostas lacradas.
No dia 17, o consórcio Complexo Lagunar, formado pelas três empreiteiras, foi anunciado como o vencedor. Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez ganharam com uma oferta 0,07% inferior ao valor máximo que o governo se dispunha a pagar.
A construtora Odebrecht, segunda colocada, entrou com um lance quase igual ao orçado pelo estado. “Época” ressaltou que, após a divulgação dos vencedores, as demais concorrentes não questionaram o resultado da licitação.


ECONOMIA

Na mão das estatais: cada vez mais, governo recorre aos dividendos

De 2007 a 2012, montante dessas receitas quadruplicou, chegando a R$ 28 bi, ou 0,64% do PIB
O Globo
O forte impacto das desonerações e do baixo crescimento da economia na arrecadação de impostos, de um lado; e o aumento dos gastos, de outro, estão tornando o governo cada vez mais dependente de dividendos pagos por estatais para fechar suas contas.
De 2007 a 2012, o montante dessas receitas quadruplicou, subindo de R$ 6,9 bilhões, ou 0,26% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) para nada menos que R$ 28 bilhões (0,64% do PIB). Com isso, a participação dos dividendos no superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) do governo central (que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) saltou de 11,74% para 32,54% no período.
A estratégia da equipe econômica tem sido retirar o máximo possível das estatais, especialmente do BNDES. De 2007 a 2012, o banco elevou seu pagamento de dividendos de R$ 923,6 milhões para R$ 12,9 bilhões. O problema é que, quando quase todo o lucro de um banco público é convertido em receitas primárias, existe o risco de faltar dinheiro para outras áreas, como, por exemplo, um futuro aumento de capital.


MUNDO

Porta aberta à espionagem

Comunicações de Brasil e região dependem dos EUA, o que põe até dados militares em risco. De um orçamento previsto de R$ 90 milhões, o Brasil investiu R$ 11,3 milhões até agora em defesa cibernética neste ano. Decisões sobre segurança em comunicações envolvem 35 departamentos de 15 ministérios e 300 órgãos municipais, estaduais e federais
José Casado, O Globo
O Brasil e outros 31 países da América Latina mantêm abertas suas redes públicas e privadas de comunicação. Essas nações têm em comum, além da retórica governamental, a ausência de políticas efetivas de proteção da infraestrutura de telecomunicações e do tráfego de dados nas redes de internet.


As revelações do GLOBO na semana passada sobre atividades de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) no Brasil e na América Latina aumentaram a percepção da vulnerabilidade.
No caso brasileiro, até motivaram as Forças Armadas a uma análise de “dados militares ou dados de interesse militar que podem ter sido atingidos e obtidos” — segundo o Ministério da Defesa. Os resultados não são conhecidos. Sabe-se também que o sistema de comunicações diplomáticas está sob revisão.


MUNDO

Documentos de Snowden podem ser o pior pesadelo dos EUA,diz jornalista

“O governo dos EUA deveria implorar que nada aconteça com Snowden”, declarou Glenn Greenwald ao “La Nación”. Repórter afirma que documentos detalham como funcionam os programas de espionagem americanos que capturam as transmissões da América Latina
O Globo
O ex-espião americano Edward Snowden, que está foragido, controla informações perigosas que podem se tornar o “pior pesadelo” dos Estados Unidos se forem reveladas, disse um jornalista familiarizado com os dados a um jornal argentino.
Glenn Greenwald, o jornalista do “Guardian” que publicou pela primeira vez os documentos que Snowden divulgou, disse em entrevista publicada neste sábado (13) que o governo americano deveria tomar cuidado na perseguição ao ex-analista de computadores.
- Snowden tem informações suficientes para causar mais danos ao governo dos Estados Unidos em um único minuto do que qualquer outra pessoa já teve - disse Greenwald, no Rio de Janeiro, ao jornal argentino “La Nación”. - O governo dos Estados Unidos deveria ajoelhar-se todos os dias e implorar que nada aconteça com Snowden, porque, se algo acontecer com ele, todas as informações serão reveladas, e pode ser o pior pesadelo.
Snowden, que está sendo processado por Washington após revelar detalhes de um programa de monitoramento secreto, está confinado em um aeroporto de Moscou desde 23 de junho e busca refúgio na Rússia até conseguir uma passagem segura para a América Latina, onde diversos países ofereceram-no asilo.


MUNDO

Boa forma de Kate foi mantida com ioga e dieta balanceada

Aos 31 anos, a mulher do príncipe William pretende ter o parto normal. Bebê pode nascer neste sábado, de acordo com os jornais britânicos
O Globo
Ioga, uma dieta balanceada com muito salmão e caminhadas diárias. Essa foi a principal receita utilizada por Kate Middleton, a duquesa de Cambridge, para manter a boa forma durante a gravidez. E aos 31 anos, a mulher do príncipe William pretende ter o parto normal, no hospital St. Mary’s, em Paddington, onde o marido nasceu. O bebê deve nascer neste fim de semana, de acordo com os jornais britânicos, que apontaram o sábado como o dia mais provável.
Foto: Reuters



POEMA DA NOITE -

O horizonte das palavras - António Ramos Rosa

 Sem direcção, sem caminho 
escrevo esta página que não tem alma dentro. 
Se conseguir chegar à substância de um muro 
acenderei a lâmpada de pedra na montanha. 
E sem apoio penetro nos interstícios fugidios 
ou enuncio as simples reiterações da terra, 
as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos. 
Tentarei construir a consistência num adágio 
de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes. 
E na substância entra a mão, o balbucio branco 
de uma língua espessa, a madeira, as abelhas, 
um organismo verde aberto sobre o mar, 
as teclas do verão, as indústrias da água. 
Eu sou agora o que a linguagem mostra 
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes 
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos 
com arcos, colinas e com árvores. 
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes. 
O impronunciável é o horizonte do que é dito.

António Víctor Ramos Rosa (Faro, Portugal, 17 de outubro de 1924) - Além de poeta é ensaista. Estreou na poesia em 1958 participando da coletânea O Grito Claro, e desde então, não parou mais. Considerado um dos grandes escritores portugueses, recebeu diversos prêmios nacionais e estrangeiros ao longo de sua vida. 


GERAL

Bravo mundo novo, por Cacá Diegues

Cacá Diegues
No dia 29 de setembro de 2010, o diário francês “Libération”, fundado por Jean-Paul Sartre, publicava denúncia que se tornaria um grande escândalo em toda a imprensa europeia.
Em sua primeira página, o “Libé” dizia que misterioso vírus invadira o programa atômico do Irã e o presidente Ahmadinejad responsabilizava os serviços secretos israelense e americano pelo caos instalado em centrífugas nucleares e computadores que controlam a infraestrutura do país.
O vírus era imune a qualquer programa para eliminá-lo e nunca se conseguiu determinar de onde ele de fato viera.
Embora alvo de justa indignação, a espionagem internacional através de sofisticados processos cibernéticos já deixou, há muito tempo, de ser novidade no chamado concerto das nações.
Ela é apenas um avanço tecnológico no sistema de escuta que nações exercem sobre outras, desde sempre. Sobretudo quando as que espionam são mais poderosas e têm mais interesses fora de seu território do que as que são espionadas.
Cada vez que surge um escândalo desses, nada muda no mundo, a não ser a venda de “1984”, de George Orwell, com seu Grande Irmão que tudo vê.
O que é novo e digno de atenção é que não se trata mais apenas de espionagem militar, política ou econômica, mas do escancaramento de um mundo em que a privacidade deixou de existir, desde que Tim Bernes-Lee inventou a internet, um sistema digital de relacionamento que pudesse sobreviver ao apocalipse atômico, previsto como inevitável durante a Guerra Fria. O que quer que acontecesse, todos permaneceriam conectados para sempre, através da rede impossível de ser desfeita. Como acabou acontecendo.
Quando você fala em seu iPhone, alguém que não está em contato com você poderá saber onde se encontra, em que língua está falando, quem é seu interlocutor. Nenhum de seus e-mails ou posts em rede social está isento de publicidade.
Eles se acumulam, junto com nossos dados pessoais, na infinita memória das grandes empresas do ramo, como Google, Gmail, Firefox, Facebook, Apple, Microsoft, todos esses nomes que incentivaram involuntariamente uma nova forma de pensar e que nos deram, junto com o fim de nossa privacidade, nova oportunidade de desenvolver o conhecimento e praticar as relações humanas de um modo diferente.
Hoje, um fabuloso satélite como o Hubble 3D nos revela a existência de um planeta azul como a Terra, o HD189733, numa galáxia muito distante do Sistema Solar. No macro ou no micro, estamos condenados ao fim de todos os disfarces e mistérios.
Tudo isso nos leva a um mundo pós-industrial, onde os valores não são mais medidos pelos objetos que fabricamos, mas por algo que está se organizando através de novos modos de conhecer, pensar e agir. É sobre isso que devemos refletir, em vez de simplesmente estigmatizar, com justa ira, o olhar de Tio Sam sobre nossas jabuticabas.


POLÍTICA

Guerrilha cibernética, por Cristovam Buarque

O Brasil conseguiu realizar sofisticada “modernidade-técnica”, mas não fez sua “modernidade-ética”. Produzimos milhões de automóveis e temos um péssimo sistema de transporte público, inventamos e usamos urnas eletrônicas, mas não eliminamos a corrupção, nem no comportamento dos políticos nem nas prioridades das políticas; nem incorporamos a participação dos eleitores em tempo real no processo político.
O descontentamento com a construção da “modernidade-técnica” sem fazer a “modernidade-ética” é a principal causa das manifestações que tomaram as ruas, já apontado no livro “A revolução nas prioridades: da modernidade-técnica à modernidade-ética”, de 1992, Ed. Paz e Terra.
O futuro imediato é preocupante se não percebermos os riscos e não formos capazes de promover uma inflexão histórica para construir um país com métodos políticos diferentes, capazes de realizar prioridades diferentes.
Por enquanto, as manifestações são dos “desiludidos”, aqueles que perderam a esperança no fim da corrupção, na possibilidade de elevar ilimitadamente seu padrão de consumo e de ter um diploma universitário que assegure emprego com renda alta. Não devem demorar a ocorrer manifestações dos “desesperados”, aqueles que nunca tiveram esperança de terem boa educação, emprego com alta renda, consumo elevado.
Quando esses dois grupos se encontrarem, mesmo que em momentos e locais separados, “desiludidos” e “desesperados” carregarão a mesma raiva contra o sistema utilizado ao longo de décadas. Isto se agravará com a crise econômica que não consegue mais ser adiada, nem escondida.
Este quadro fica ainda mais arriscado quando percebemos que a luta não precisa de partido, nem de líder, nem de bandeiras ideológicas.
Basta descontentamento para que um jovem conectado à internet possa reunir dezenas ou centenas de pessoas capazes de fechar uma estrada, arrombar portas de lojas, invadir condomínios. O resultado é impossível de ser controlado, mesmo se a polícia monitorasse todas as trocas de e-mails na cidade.


GERAL

A sombra do mouse sobre o mundo, por Vitor Hugo Soares

Há alguns anos, no auge do pânico e perplexidade causados pelos atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, passei por um dos maiores constrangimentos pessoais de que me recordo.
Transitava então pela agitada área de inspeção do aeroporto de Londres em viagem de volta a Salvador, depois de passar dias memoráveis na fantástica cidade de Amy Winehouse, quando ela ainda vivia, cantava como ninguém, e aprontava todas em Candem Town, onde eu passara um domingo de despedida para nunca esquecer. Antes da vergonha, evidentemente.
Devo confessar que meu inglês é péssimo. Se é que dá para chamar de “meu inglês”, o arremedo daquilo que falo e entendo do idioma de Shakespeare. Daí a demora para compreender os gritos nervosos dos agentes de segurança de Heatrow, que me mandavam desafivelar o cinto, tirar os sapatos, enquanto era apalpado e submetido a uma “revista” pública, em meio a outros passageiros tão espantados e nervosos quanto eu.
Ainda lembro bem da minha reação íntima e tola naquele momento. Ateu que acredita em milagres, perguntava com meus botões quando segurava a calça folgada com uma mão, enquanto com a outra levava o passaporte que os agentes queriam bem à vista.
Meu Santo Antonio da Glória, o que eu vim fazer aqui?”, escrevi (rapidamente esquecido dos belos momentos vividos na terra da Rainha), ao descrever no artigo que publiquei na época neste blog, aquela situação tão insólita.
No calor da hora até prometi, não permitir a mim mesmo que a situação se repetisse. Pura bravata, que durou pouco tempo para ser deixada de lado.


Retornei há poucos dias de uma viagem formidável aos Estados Unidos. Quase um mês – pedaços divididos de maio e junho - voando e rodando entre os estados da Flórida, Califórnia e Nevada. A maior parte do tempo na costa oeste das praias bravias do mar do Pacífico, recantos de sonhos descritos com perfeição nas canções de nosso Lulu Santos.
Semanas entre a sempre esbelta, multicultural e cosmopolita San Francisco, (mais asiática que nunca, além de Chinatown) e os vinhedos verdejantes dos vales de Sonoma e Napa. Além da sensação, sem preço, de caminhar pelas ruas, mesmo as mais desertas, a qualquer hora, sem medo de "balas perdidas" ou de ladrão atrás...


GERAL

A inimiga comum, por Zuenir Ventura

Zuenir Ventura, O Globo
É inevitável o paralelo entre as manifestações de junho, uma das quais reuniu no Rio 300 mil pessoas, e as de anteontem, com menos de 20% de participação.
As primeiras foram convocadas pelas redes sociais na internet e dispensaram a presença de partidos políticos e sindicatos; já as do Dia Nacional de Luta, ao contrário, foram promovidas e organizadas por oito centrais sindicais, com a discreta colaboração de PT, PCdoB, PDT, além do MST e da UNE.
Em cerca de 20 estados houve mais sucesso nas paralisações e obstruções do que nas mobilizações, ou seja, foi mais fácil tirar gente das ruas do que botar.
O movimento do mês passado teve um caráter espontâneo, enquanto o de agora recebeu em alguns casos até incentivos pecuniários. Na capital paulista, por exemplo, repórteres chegaram a flagrar manifestantes de aluguel ganhando R$ 50 pela participação no ato sindical de quinta-feira.
“A rapaziada é #, a pelegada é $”, escreveu em seu blog o jornalista Josias de Souza, estabelecendo comparações entre as novas formas de protesto e as mais antigas: “A rapaziada é chapa quente, a pelegada é chapa branca”; “A rapaziada é sociedade civil, a pelegada é sociedade organizada”; “A rapaziada é banco de praça, a pelegada é BNDES”.
Pode-se acrescentar que um lado é o mundo digital e o outro, o analógico, pré-revolução tecnológica, que desconhece que em política a forma é tão ou mais importante do que o conteúdo e a função.

Foto: Marcos Bizzotto / Futura Press

De semelhante entre as duas mobilizações, o pior: a invasão dos baderneiros. Está virando triste rotina as passeatas começarem pacíficas, civilizadas e degenerarem em atos de violência generalizada, com confrontos, quebra-quebra, coquetéis molotov, arruaças.
Na de anteontem, houve como novidade a presença de uma gangue que transformou o Centro da cidade em um campo de batalha. Vestidos de preto e com máscaras ou camisas amarradas no rosto para não serem identificados, esses vândalos, dizendo-se anarquistas, depredaram lojas e agências bancárias, quebrando janela do Teatro Municipal e vidro da Igreja da Candelária.
Em seguida, outro bloco de mascarados (ou seria o mesmo?) transferiu o tumulto para o entorno do palácio do governador. A fumaça e o gás lacrimogêneo da batalha com a polícia, que foi agredida com pedras, invadiram apartamentos, supermercado, pizzaria e até uma clínica médica. O pânico foi geral. Mais uma vez ficou demonstrado que as manifestações políticas, seja no estilo antigo ou no novo, têm como inimiga comum a baderna.

Zuenir Ventura é jornalista.

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