quarta-feira, março 12, 2014

78% dos abatedouros são ilegais no Interior do Estado


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Sem veterinário responsável e em condições de insalubridade, muitos matadouros não atendem à Vigilância Sanitária
FOTO: HONÓRIO BARBOSA
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Instalado em 2009, o abatedouro público de Pedra Branca, no Sertão Central, é exemplo de manejo adequado às exigências
Conselho Regional de Medicina Veterinária e Uipa apontam falhas no manejo dos animais para produção da carne
Russas. Dos cerca de 180 municípios do Ceará com matadouros públicos, somente 33 são licenciados pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Isto significa que 78% das cidades estão consumindo a chamada "carne de moita", ou seja, o abate não aconteceu conforme as exigências básicas da Vigilância Sanitária.
De acordo com a normas sanitárias, o abate do animal e o manuseio da carne devem ser feitos sem nenhum contato com o solo. No processo, o animal deve ser colocado em um box de atordoamento, onde será sacrificado utilizando uma pistola pneumática. Em seguida, o corpo do animal é guinchado pela perna, através de trilhos aéreos, onde é levado ao tanque de sangria. Todo o manuseio deve ser realizado a um metro do chão. Quem realiza o corte deve estar com todos os equipamentos de proteção, de modo a não ter contato direto com a carne, garantindo a qualidade do alimento.
Esses são alguns dos processos que não são realizados em mais da metade dos abatedouros. De acordo com a presidente da União Internacional Protetora dos Animais (Uipa), o retrato é bem diferente. Além das péssimas condições de higiene, onde os animais são muitas vezes cortados em mesas ou diretamente no chão, em contato direto com quem faz o trabalho, em meio a estruturas precárias e sujas, os maus tratos com os animais ainda é muito grande.
"Na maioria dos matadouros ainda acontece a morte por marretadas, onde o animal fica agonizando", denuncia. Em um dos casos vistoriados pela Uipa, no antigo Frifort, atualmente fechado, o sofrimento dos animais não era somente na hora do abate, eles viajam centenas de quilômetros de pé, sem água nem comida, apertados na carreta de um caminhão. Ao chegar, ficavam até quatro dias no pátio do matadouro, recebendo só água.
Diante disso, ela fez um projeto de lei e entregou ao então deputado João Alfredo, que apresentou à Assembleia Legislativa, onde foi aprovado e sancionado pelo Governo do Estado.
Legislação
A Lei 12.505, de 9 de novembro de 1995, obriga a todos os matadouros do Ceará a utilizar o método cientifico, com uso da pistola pneumática no abate de animais e proíbe a utilização de marreta, foice, machado, entre outros utensílios similares. Porém, segundo ela, há uma constante luta para que a legislação seja cumprida no Estado.
"Desde do ano de 1995 que luto para que adquiram a pistola, mas o abate é da forma antiga. Solicito Audiências Públicas, reuniões com autoridades etc, mas as pessoas não se conscientizam. Vivo recebendo denúncias de todo o Interior do Estado, alguns com vídeos e fotos. Tudo é encaminhado ao Ministério Público e a partir daí ou o local é interditado ou é assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com a Prefeitura", conta Geuza.
Ela critica a falta de fiscalização das autoridades competentes e diz que a responsabilidade também é dos municípios que não fiscalizam e liberam alvarás de funcionamento para locais nessa situação.
Doenças
De acordo com o presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-CE), José Maria dos Santos Filho, o consumidor que se alimenta de carnes abatidas em locais que não seguem as normas da vigilância sanitária, pode adquirir aproximadamente 200 doenças que podem ser transmitidas dos alimentos ao homem, através da ingestão de toxinas, bactérias e vírus.
De acordo com ele, esses agentes infecto-contagiosos podem ser detectados em exames realizados nos animais vivos, após o abate, ou ainda, por meio de exames laboratoriais. "Para tanto, os matadouros, sejam de bovinos, suínos, caprinos/ovinos, aves; as empresas de laticínios, mel e pescados e qualquer outra que trabalhe com produtos de origem animal, devem possuir um sistema de inspeção sanitária desses produtos, de modo a garantir a inocuidade do alimento", afirmou.
Ainda de acordo com o presidente do CRMV, de um modo geral o matadouro ou empresa processadora de alimentos deve ser uma atividade preferencialmente comercial. Porém, na ausência dessas, os municípios cearenses, no intuito de impedir a venda desses produtos oriundos de "moitas", sem a devida inspeção de um médico veterinário, acabam por implantar matadouros públicos. "Em sua ampla maioria, não passa de umas moitas oficializadas já que não atendem aos mínimos requisitos tecnológicos e higiênicos necessários para garantir a sanidade dos produtos de origem animal, seja pelas deficientes condições estruturais, seja pela falta de equipamentos adequadas ao abate, seja pela falta dos inspetores de alimentos médicos veterinários, concursados, ou ainda pela falta de médico veterinário responsáveis técnicos pelo estabelecimento", criticou.
Segundo um relatório realizado pela CRMV, em 2013, dos 184 municípios cearenses 154 possuíam abatedouros públicos, destes, 128 possuíam registro no CRMV. Entre matadouros interditados ou desativados, o número era de 34.
Ainda segundo José Filho, o Conselho faz fiscalização rotineira dos matadouros denunciando ao MP quando detectadas irregularidades. "Ocorre que, quando o matadouro é fechado, normalmente o criador abate os animais em moitas e a Vigilância Sanitária não coíbe essa prática, o que seria bem fácil, já que normalmente todos sabem onde esses animais são abatidos. Se não souber, é só fazer uma fiscalização nas feiras municipais, e açougues, pedindo o documento que comprove a origem da carne".

Alerta
"Os matadouros, na ampla maioria, não passam de moitas oficializadas e não atendem aos mínimos requisitos legais"
José Maria dos Santos Filho
Presidente do CRMV
"Vivo recebendo denúncias de todo o Interior, e encaminho ao Ministério Público para ajustamentos de conduta"
Geuza leitão
Presidente da Uipa

Mais informações
CRMV - (85) 3272.4886
Uipa - (85) 3261.3330
Ellen Freitas
Colaboradora
Pedra Branca, Limoeiro e Iguatu servem de modelos
Russas. Em meio a disparidade de abatedouros clandestinos existentes no Ceará, o Estado possui, pelo menos, três exemplos de unidades que cumprem as regulamentações da vigilância sanitária. Os abatedouros foram instalados nas cidades de Limoeiro do Norte, Iguatu e Pedra Branca e servem de modelo para o restante dos municípios.
O abatedouro público do município de Pedra Branca, na região do Sertão Central, foi um dos primeiros a serem implantados. O projeto trouxe equipamentos modernos, priorizando a higiene da carne no momento do abate. Também foi extinto o abate por meio de machadadas, como era comumente utilizando, sendo substituído pelo abate humanitário, sem sofrimento para o animal.
De acordo com o administrador do abatedouro público de Pedra Branca, Jucelino Rodrigues Gomes, o abate dos bovinos ainda não é feito com a utilização de pistola pneumática, determinada pela legislação do Estado. Os animais são abatidos, segundo ele, com pistola que utiliza cápsulas, mas que não penetra na cabeça do animal, diferente da pneumática, que é considerado o método mais eficiente.
"As vezes é ruim porque o boi se meche muito, ai a pessoa erra e tem que usar duas ou três cápsulas por animal e sai caro ficar comprando", explica. Ainda de acordo com ele, uma pistola pneumática será comprada para realizar o trabalho.
Em média são abatidos 35 bovinos por dia para suprir a demanda de 40 mil habitantes. "Tem dias que se abate uns 60, principalmente nas sextas-feiras.", ressaltou Gomes.
Ainda de acordo com ele, a estrutura permite que, por hora, sejam abatidos 16 animais. O local emprega 29 funcionários, que se dividem nas funções de abate, corte, veterinário, limpeza e tratamento da água.
"Depois dos processos, a água utilizada vai para vários decantadores, onde é feito o tratamento e filtrada", explicou ele.
Em junho de 2012 foi inaugurado o abatedouro público de Limoeiro do Norte. Após várias denúncias publicadas no Diário do Nordeste, sobre as condições precárias no abate e higiene das carnes, o local foi fechado pela Justiça e reaberto três anos depois após a construção de uma nova estrutura. O local possui, além de equipamentos que garantem as condições adequadas de abate e comercialização, também foi equipado para realização do manejo humanitário dos animais.
Iguatu entregou um abatedouro moderno no ano passado. A obra, orçada em R$ 1,3 milhão, foi inaugurada em janeiro de 2013, após longos anos de espera da população. Apontada como uma das mais modernas do Nordeste, a unidade é a primeira do Interior a dispor do Serviço de Inspeção Estadual, realizado pela (Adagri).

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