segunda-feira, janeiro 05, 2015

Petrobras admite que usou escritório de contabilidade para construir gasoduto Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/brasil/petrobras-admite-que-usou-escritorio-de-contabilidade-para-construir-gasoduto-14963863#ixzz3NwKSVIHD © 1996 - 2015. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.

BRASÍLIA— A Petrobras admitiu neste domingo que usou um escritório de contabilidade no Rio para constituir a empresa responsável pela construção da rede de gasodutos Gasene, cujos investimentos chegaram a R$ 6,3 bilhões. 

Depois de O GLOBO revelar na edição deste domingo que uma empresa de fachada foi criada para efetivar o negócio, a estatal divulgou uma nota em que reconheceu ter usado o escritório de contabilidade Domínio Assessores e o proprietário do escritório, Antônio Carlos Pinto de Azeredo, para fazer funcionar a Transportadora Gasene S.A., uma sociedade de propósito específico (SPE) criada exclusivamente para a construção do gasoduto.

Na nota, a Petrobras negou ter tido "qualquer ligação societária" com a Transportadora Gasene. "Conforme acontece nas estruturas financeiras do gênero, a SPE (Transportadora Gasene S.A.) não tem qualquer ligação societária com a Petrobras", informa, em negrito, a estatal. Uma ressalva da própria nota, porém, mostra que o controle da empresa era feito pela Petrobras, por meio das chamadas cartas de atividades permitidas. "A ligação entre a Petrobras e a SPE se dava através de contrato em que era estabelecido que a Transportadora Gasene somente realizaria determinadas atividades mediante autorização da Petrobras", cita o texto.

Em seis anos de existência da Transportadora Gasene, entre 2005 e 2011, foram emitidas mais de 400 cartas de atividades permitidas. O conteúdo dessas cartas mostra que não havia controle apenas de "determinadas atividades". 

As orientações da Petrobras ao dono do escritório de contabilidade- que era também o presidente da Transportadora Gasene - variavam de aspectos relacionados a pequenos contratos ao alongamento de um financiamento de US$ 760 milhões com o BNDES. Estava escrito em contrato que Azeredo não poderia tomar decisões sem autorização expressa da Petrobras.

O GLOBO revelou na edição deste domingo que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) chegou a manifestar que a estatal criou "empresas de papel" para a construção e operação do Gasene, uma rede de gasodutos entre o Rio de Janeiro e a Bahia, passando pelo Espírito Santo. A manifestação está reproduzida numa auditoria sigilosa do Tribunal de Contas da União (TCU), concluída em dezembro de 2014.

Os próprios auditores indicam que a Transportadora Gasene é uma empresa de fachada, criada para burlar fiscalizações oficiais e permitir contratações sem licitação. O superfaturamento em parte das obras de um dos trechos, entre Cacimbas (ES) e Catu (BA), superou 1.800%, segundo a auditoria.

Esse trecho foi inaugurado com festa em Itabuna (BA), em 26 de março de 2010, com a presença do presidente Lula; da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff; do então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli; e da diretora de Gás e Energia da estatal, Graça Foster, hoje presidente da empresa. 

Oito dias depois, Dilma deixou o governo para se candidatar à Presidência da República pela primeira vez. A obra foi inaugurada como pertencente ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), bastante exaltado por Dilma na solenidade em Itabuna. E 80% dos financiamentos à obra foram feitos pelo BNDES.

Segundo a nota divulgada neste domingo pela Petrobras, a área financeira da estatal foi a responsável por elaborar o "project finance" (projeto estruturado) da Gasene, entre 2004 e 2005, "com objetivo de captar recursos para construção do gasoduto". A constituição da SPE Transportadora Gasene coube ao Santander, conforme a estatal.

O dono do escritório de contabilidade Domínio Assessores foi um dos acionistas, com 0,01%, enquanto a Gasene Participações detinha 99,99%. Os acionistas da Gasene Participações, segundo a estatal, são o trustee "PB Bridge Truste 2005" com 99, 99% e Azeredo com 0,01%.

A nota diz que Azeredo era "administrador da empresa Domínio, que prestou serviços de contabilidade e administração tributária para SPE e que também foi contratado pela Transportadora Gasene para o ser o presidente da empresa". 

A nota não cita, no entanto, o fato de a Domínio e a Transportadora Gasene terem o mesmo endereço: Rua São Bento, no quinto andar de um prédio no Rio. A reportagem do GLOBO revelou um trecho do contrato entre a Domínio e a Transportadora Gasene em que o escritório de contabilidade se compromete em ceder sua sede à empresa criada pela Petrobras. E assim foi feito.

Em entrevista ao jornal, numa reportagem publicada em 24 de dezembro, Azeredo afirmou ser apenas um "preposto" na Transportadora Gasene. Segundo ele, o desempenho da função de presidente foi "puramente simbólico". Azeredo foi um laranja. 

Os principais atos eram determinados pela Petrobras, por meio das cartas de atividades permitidas.
"A SPE detinha a propriedade do gasoduto e demais ativos e passivos do projeto, até que todos os financiamentos contraídos para implantação do mesmo fossem integralmente pagos. Uma vez pagos os financiamentos, a Petrobras teria a opção de compra da totalidade das ações na Transportadora Gasene", cita a nota da Petrobras. Em janeiro de 2012, a Transportadora Associada de Gás (TAG), uma subsidiária da estatal, incorporou o Gasene, com ativos da ordem de R$ 6,3 bilhões.

Esse mesmo contrato de opção de compra e venda de ações, também revelado na reportagem deste domingo, estabelece que o presidente ( o laranja) da Transportadora Gasene deveria se abster de "efetuar ou aprovar quaisquer alterações do estatuto social, deliberações de assembleias gerais e outorga de mandato sem o consentimento prévio da Petrobras". Projetos só poderiam ser implementados se instruídos "por escrito, detalhada e tempestivamente" pela estatal.

O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), diz que a criação de empresas de fachada pela própria Petrobras é uma novidade entre os expedientes utilizados no esquema de fraudes.

— Eu já tinha visto empresa de fachada no mundo da corrupção, mas a própria Petrobras criar isso? É mais um expediente na gestão para a busca de dinheiro fácil para custear partidos, o dinheiro da corrupção. Estamos vendo, a cada dia, a confirmação que os predadores internos da estatal são os nomeados pelo Lula e pela Dilma. Por isso a importância da nova CPI — disse.

O deputado Fernando Francischini (SD-PR), que atuou na CPMI da Petrobras e hoje é secretário de Segurança Pública do Paraná, defende a criação de uma nova comissão de inquérito no Congresso para continuar as investigações. Segundo ele, o importante das CPIs é o poder que elas têm de quebrar sigilos fiscal, telefônico e bancário de autoridades e de suspeitos em envolvimento nas irregularidades.
— Não faz diferença quem o relator indicia ou deixa de indiciar. Na CPI, o que importa é o miolo, é a possibilidade de quebrar sigilos mais facilmente do que um juiz- avaliou Francischini.

Já deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) afirmou que os dirigentes da Petrobras acabaram com a credibilidade da estatal, prejudicaram a empresa e levaram-a a uma situação vexaminosa.
— A Petrobras viu despencar os preços das suas ações e enfrenta investigações no Brasil, Estados Unidos, Holanda e Suíça. Para usar um termo da presidente Dilma durante a campanha, é estarrecedor.

Para o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE),
— Claramente a Petrobras utilizou o mecanismo da SPE para burlar a lei de licitação e viabilizar uma operação completamente suspeita. A Sociedade de Propósito Específico é um instituto jurídico legal, constituído para um fim específico e usado por vários governos. No caso, montar o gasoduto. Agora, não uma SPE com um escritório de contabilidade, sócios sem expertises e suspeitas graves de superfaturamento, como mostra a auditoria do TCU. 

Desmoralizaram a lógica da SPE e é preciso saber quem está por trás dessa história de escritório de contabilidade. Pode haver interesses escusos — criticou Mendonça Filho.
O líder do DEM acrescenta que esta nova informação reforça a necessidade da criação de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito no início da nova legislatura:
— É uma coisa esquisita, mais uma para a coleção de denúncias. 

É preciso apurar tudo. Já começamos a coleta de assinatura para a nova CPI e tentaremos coletar o restante já na primeira semana de fevereiro. Acho que teremos ambiente para uma nova CPI, até porque a gente imagina que o maior motor pró-CPI será a denúncia a ser encaminhada pelo procurador.

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