domingo, março 22, 2015

COMPETITIVIDADE Corrupção se tornou inerente

Especialistas avaliam que a existência de uma sociedade competitiva motiva a corrupção em diferentes setores
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O cientista político Ernani Carvalho afirmou ser impossível acabar com a corrupção por ser algo inerente ao ser humano
FOTO: ALCIONE FERREIRA/D.A PRESS
O anúncio do pacote contra a corrupção feito pela presidente Dilma Rousseff no meio da semana é mais uma tentativa de afastar o problema da esfera política, mas sociólogos e cientistas políticos analisam que a questão é mais profunda. Além da formação da sociedade brasileira, a competitividade existente em diferentes âmbitos ampliam os riscos para a prática de atos corruptos, transformando a questão em algo inerente ao ser humano e exigindo reflexões mais amplas sobre como é possível mudar esse cenário.
Em cerimônia no Planalto, a presidente Dilma Rousseff apresentou os detalhes de um pacote enviado ao Congresso Nacional para tentar combater o problema da impunidade contra crimes de corrupção.
As principais medidas estabelecem a criminalização da prática de caixa dois; aplicação da Lei da Ficha Limpa para todos os cargos de confiança no Governo Federal; alienação antecipada dos bens apreendidos após atos de corrupção; responsabilização criminal de agentes públicos que não comprovarem a obtenção dos bens; e confisco de bens dos servidores públicos que tiverem enriquecimento incompatível com os ganhos.
No entanto, o cientista político Ernani Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirmou ser possível reduzir o problema da corrupção, mas é impossível acabar por ser inerente ao ser humano.
"É uma questão de tirar o melhor proveito de uma situação. Muitas vezes, por não estar saciado com o que tem, o ser humano vai buscar meios ilícitos para alcançar seus objetivos, seja recursos financeiros ou outros objetivos", frisou.
Ernani Carvalho alertou também para a existência de um cinismo social quanto à corrupção. "Há um grau de cinismo social, mas o comportamento deles no dia a dia, furando filas, passando na faixa de pedestre, também é um erro de conduta", analisou.
Potencial
A competitividade presente na sociedade amplia o potencial de corrupção, segundo o cientista político Jorge Almeida, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), transformando o problema como algo global.
"Em qualquer sociedade competitiva onde exista dificuldade para se obter determinados recursos, há sempre o potencial de corrupção. Não é só uma característica ibérica porque existem casos em todo mundo. Evidentemente que dependendo de como o Estado e a sociedade agem contra isso faz com que quem pratique tenha até vergonha, levando alguns até ao suicídio", explicou o professor.
O sociólogo Antônio Flávio Testa, da Universidade de Brasília (UnB), apontou para como a corrupção é reproduzida em diferentes setores, atingindo da máquina pública às famílias.
"Se você olhar pesquisas, vamos detectar que há no comportamento brasileiro cada vez mais crescente de burlar regras. Isso é cultural e cresce cada vez mais. É aí que está o problema, porque a corrupção do Estado é estrutural, a corrupção é reproduzida nas famílias, nas escolas. A política é corrupta. Os legisladores fazem leis com interpretações abertas", pontuou.
Antônio Flávio Testa acredita que a solução para o problema é maior também do que o simples investimento na formação cidadã, apesar de destacar ser preciso fazer um trabalho rígido desde a criança até o adulto. "O problema é mais profundo do que investir em cidadania. A questão está na formação do brasileiro. Tem que fazer um trabalho desde a criança até o adulto, com regras rígidas", avaliou.
Difícil
Para o professor da UnB, é muito difícil mudar essa realidade e alertou para que não se confunda uma sociedade potencialmente corrupta com desonesta. "Acredito que é uma situação muito difícil de ser mudada. Agora não se deve confundir com honestidade. Isso é um paradoxo. Em linhas gerais, as pessoas ficam indignadas com a roubalheira, com casos de corrupção, porque são honestas, mas quando acontecem com os mais próximos fazem vista grossa", defendeu Antônio Flávio Testa.
O sociólogo William Vella Nozaki, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), ressaltou também que o processo de formação da sociedade brasileira resultou numa população que ainda confunde as diferenças entre a esfera pública e o que significa a esfera privada.
Questionado sobre como é possível alterar essa realidade, William Nozaki disse acreditar que esta pergunta esteja sendo feita pela presidente Dilma Rousseff. "É um problema estrutural. Se não se amplia a cidadania, não tem como solucionar. O jeito é ampliar os canais de diálogo. Deve haver uma frente ampla de ações", disse o docente.
O cientista Jorge Almeida frisou que a média alta de casos de corrupção em cargos de direção do Estado prejudica qualquer mudança de pensamento em relação à questão. "Aqueles que estão na direção do Estado tem a obrigação maior de dar o exemplo. Se as pessoas veem que pessoas que estão no poder fazem, as pessoas acham que tem o direito de também fazer", explicou.
Já Ernani Carvalho, da UFPE, ressaltou que a solução do problema passará somente pela forma como a sociedade se posicionará diante da corrupção.
Alan Barros
Repórter

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