sábado, março 19, 2016

Na Paulista pintada de vermelho, Lula veste a fantasia do 'Lulinha paz e amor'



Diante da difícil missão de defender um governo indefensável, manifestantes pró-PT saíram nesta sexta-feira às ruas em boa parte do país com um objetivo: atacar. Sobraram xingamentos e palavras de ordem contra a imprensa e os responsáveis pela força-tarefa da Operação Lava Jato, em especial ao juiz federal Sergio Moro. Faltaram argumentos que pudessem atribuir à nomeação de Lula para a Casa Civil um caráter mais republicano do que a mera obstrução do avanço da Lava Jato sobre o ex-presidente - objetivo escancarado pelos grampos cujo sigilo Moro levantou na última terça-feira. Ao todo, houve protestos em 26 Estados e no Distrito Federal. O maior deles, na Avenida Paulista, em São Paulo, reuniu 80.000 pessoas, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Na contagem do Instituto Datafolha, foram 95.000 manifestantes.
O magistrado que conduz as ações da Lava Jato em Curitiba foi de longe o principal alvo dos militantes e membros de movimentos sociais e sindicatos ligados ao PT, cujos membros inflaram as passeatas: Moro foi pintado em cartazes como o ditador alemão Adolf Hitler, apareceu em bonecos como o traidor bíblico Judas e foi chamado de fascista pelo deputado federal petista Wadih Damous no Rio de Janeiro. Os petistas seguiram, portanto, à risca o roteiro dado pelo Planalto na quinta-feira, quando a presidente Dilma Rousseff assumiu discurso de militante e usou a cerimônia de posse de Lula como palanque para atacar o magistrado. Em discurso nesta manhã, Dilma chegou a emitir a seguinte frase: "Presidente tem garantias constitucionais e não pode ser grampeado. Em muitos lugares do mundo, quem grampear um presidente vai preso se não tiver autorização judicial da Suprema Corte". Não se sabe se por esquecimento ou má-fé, Dilma não mencionou que o alvo das escutas não era ela, mas Lula, formalmente um alvo da Lava Jato.
O ex-presidente, aliás, participou do ato na Paulista. Assim como no dia em que foi conduzido coercitivamente para depor, o petista abusou do discurso de vitimização e do ódio das elites ante as conquistas sociais de seu governo. Disse que os manifestantes pró-impeachment se preocupam com a economia por que a alta do dólar dificulta as viagens para Miami. "Cortem uma veia deles para ver se o sangue dele é verde e amarelo. Eles são um tipo de brasileiro que gostaria de ir pra Miami fazer compra todo dia e nós compramos na 25 de março". E prossegiu: "Eu virei outra vez 'Lulinha paz e amor'. Não vou lá para brigar, vou lá para ajudar a companheira Dilma a fazer as coisas que ela precisa fazer por esse país". Lula também repetiu o bordão 'não vai ter golpe'. O ministro da Casa Civil também rogou que se 'restabeleça a paz' - mas atribuiu as manifestações de ódio somente aos opositores.
Fazendo uso da velha tática petista de culpar o mensageiro, não faltaram ataques à imprensa. Citada em faixas e lembrada em gritos, a Rede Globo foi outro alvo dos manifestantes. No Rio de Janeiro, artistas da emissora engrossavam o coro de "não vai ter golpe". Um palco foi montado na Praça XV e, pouco depois do encerramento do expediente, a região foi tomada por um mar vermelho de camisas, faixas e bandeiras sindicais. As mensagens eram em apoio a Dilma, Lula, e em especial contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Políticos, líderes de sindicatos e artistas, como a atriz Letícia Sabatella, fizeram discursos inflamados.
Vários discursos políticos no Rio pediam a união dos partidos de esquerda. O deputado estadual Zaqueu Teixeira, por exemplo, que pela manhã anunciou em seu Facebook sua desfiliação do PT, subiu no palanque e afirmou: "Este é um ato em defesa da democracia. Quem esteve em 1964 sabe o caminho que estão trilhando. Temos um Poder Judiciário que não se compromete com as leis. A esquerda que defende as massas trabalhadoras não pode permitir esse golpe", disparou.
Um dos sindicalistas chamou Lula de "nosso líder moral". A multidão gritou 'olê, olê, olê, olá/Lula/Lula'. De fato, o protesto no Rio em muito lembrava os anos 60: o deputado Damous proferiu a seguinte frase: "A Lava Jato tem conexões internacionais com o imperialismo". Para combinar com a acusação esdrúxula, um cartaz dizia: "CIA go home".
Algo chamou a atenção em todos os Estados em que houve manifestações nesta sexta: quase não se viam bandeiras do Brasil entre os militantes. A pátria desses manifestantes, nota-se, é o partido ou central sindical a que pertencem.
(Colaboraram Thiago Prado e Leslie Leitão, do Rio de Janeiro)

0 comentários:

Postar um comentário