segunda-feira, novembro 28, 2016

O dia em que Fidel Castro quis destruir o mundo

O tempo histórico é demorado e o pessoal de Miami  prefere não esperar: morte comemorada
O tempo histórico é demorado e o pessoal de Miami prefere não esperar: morte comemorada
Um jornalista americano, a filha de Che Guevara e Fidel Castro reuniram-se um dia no aquário de Havana para ver golfinhos dançar. Isso aconteceu de verdade, há seis anos, e foi contado por Jeffrey Goldberg em todos os seus surreais detalhes.
Fidel já estava aposentado, por assim dizer. Havia lido um artigo de Goldberg, agora na direção da revista The Atlantic, sobre a ameaça do programa nuclear iraniano que o levou a convocar o jornalista americano para um encontro em Havana.
Quem diria não? Goldberg foi e voltou com duas declarações sensacionais. A primeira, sobre a há muito sepultada exportação da revolução cubana: “O modelo cubano não funciona nem mais para nós”. Nenhuma novidade, mas dito pela boca do barbudo ganhou outra dimensão.
Mesmo usada para o mal, a inteligência excepcional foi um dos traços marcantes de Fidel. Sem contar que ele não precisava mais convencer os cubanos de que viviam no mais sensacional dos mundos.
A segunda declaração teve dimensão histórica maior. Goldberg perguntou a Fidel como avaliava sua atitude durante a Crise dos Mísseis Cubanos, os terríveis treze dias de outubro de 1962 em que o mundo esteve mais próximo da destruição de boa parte da humanidade num holocausto nuclear.
“Não teria valido a pena”, respondeu Fidel. Foi o mais próximo que chegou de uma autocrítica ao modo como tentou insuflar a União Soviética a tomar a iniciativa e lançar um ataque nuclear contra os Estados Unidos. A inevitável retaliação incineraria o mundo e levaria junto a civilização, com centenas de milhões de mortos.
Para relembrar a crise: a União Soviética havia instalado, secretamente, mísseis nucleares em Cuba que, descobertos, levaram o presidente John Kennedy a declarar um bloqueio naval em torno da ilha. Durante os dias de perigo como jamais havia existido, as duas superpotências fizeram uma guerra de nervos sem precedentes. No fim, o regime soviético concordou em tirar os mísseis, em troca de um recuo equivalente dos americanos em suas bases na Turquia.
Se os soviéticos não tivessem cedido, Kennedy mandaria lançar um ataque convencional contra as bases nucleares em Cuba – já estava até com o anúncio da ação militar escrito. Os americanos não sabiam que cerca de cem mísseis nucleares soviéticos já estavam em condições operacionais.
Fidel Castro sabia do risco do ataque americano e estava disposto a destruir o mundo para impedi-lo. Numa carta escrita a Nikita Krushchev em 26 de outubro de 1962, ele argumentou: “Acredito que a agressividade dos imperialistas os torna muito perigosos e se conseguirem desfechar uma invasão de Cuba – um ato brutal de violação do direito universal e moral –, então seria o momento de eliminar este perigo para sempre, num ato de legítima defesa. Por mais dura e terrível que fosse essa solução, não haveria outra”.
Em outras palavras, falando em nome do direito universal e moral, Fidel defendeu um ataque nuclear que, inevitavelmente, acabaria levando sua própria ilha a ser varrida do mapa. Felizmente, não mandava nada. Krushchev, que havia sobrevivido como um dos carrascos de Stálin, mandou tirar os mísseis.
Três meses depois, escreveu uma longa carta a Fidel para apaziguar os ânimos, não só do cubano como “até de líderes de certos países socialistas que começaram a ficar agitados e a pontificar sobre a maneira como deveríamos ter agido durante a crise”. Apesar do tom amistoso e conciliador, o recado não poderia ter sido mais claro.
Quando foi preso e julgado pela invasão do quartel de Moncada, Fidel demonstrou a notável habilidade para construir o próprio mito ao dizer: “A história me absolverá”.
Depois de sua morte, o presidente Barack Obama recorreu à mesma linguagem como forma de evitar críticas ao homem que quis imolar os Estados Unidos com mísseis alheios, dizendo que “a história julgará” o seu papel. Em Miami, o pessoal da comunidade cubana preferiu não esperar o tempo histórico e saiu comemorando pelas ruas. Tudo registrado pelo celular, claro.
Um adendo para explicar os golfinhos e a filha de Che. Depois de almoçar na casa de Fidel num domingo, com Delia, a mulher dele, e o filho Antonio, Jeffrey Goldberg foi convidado a ir ao aquário de Havana para ver um espetáculo subaquático com golfinhos em que três mergulhadores interagiam com eles numa espécie de dança.
Depois da apresentação, a veterinária do aquário, chamada Celia Guevara, filha do próprio, deu explicações a Goldberg. O jornalista escreveu que, mesmo sendo pai de três filhos, com muita experiência em show de golfinhos, nunca viu alguém gostar tanto de um espetáculo assim como Fidel Castro. O comandante genial dos cetáceos não parecia nada preocupado com a absolvição da história.

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