domingo, agosto 20, 2017

Executivos da JBS tentam barrar investigações de suposta fraude no BNDES

Ivan Marx é responsável por investigação de suspeita de fraude no BNDES - Jorge William / Agência O Globo

A suspeita investigada na primeira instância é que houve fraudes nos aportes do BNDES destinados à expansão do grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Um dia antes da operação, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, homologou a delação dos Batista e de funcionários do grupo acertada com a PGR. O presidente da República, Michel Temer, e o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB, já foram denunciados por corrupção ao STF com base nas acusações feitas.BRASÍLIA — Delatores do grupo J&F, dono da JBS, tentam barrar investigações sobre supostas fraudes em contratos de R$ 8,1 bilhões com o BNDES com base no argumento de que obtiveram imunidade penal na colaboração premiada assinada com a Procuradoria Geral da República (PGR) e validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As investigações correspondem à Operação Bullish, deflagrada em 12 de maio, e são conduzidas pela Procuradoria da República no Distrito Federal.
O entendimento do procurador da República responsável pela Bullish, Ivan Marx, é que a imunidade não abarca os fatos apurados, uma vez que os irmãos Batista e seus executivos não admitiram qualquer prática criminosa na celebração dos contratos com o BNDES. Os delatores vão na linha oposta e, para tentar derrubar a investigação, argumentam em pedidos à Justiça que têm “imunidade penal absoluta sobre todos os fatos investigados”.

A ofensiva dos executivos do grupo ocorreu em basicamente três frentes. O diretor jurídico da JBS, Francisco de Assis e Silva, recusou-se a entregar a senha do celular apreendido na operação policial, e chegou a recorrer à Justiça para garantir o direito de não fornecer a senha, obtendo uma liminar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região.
Depois, a partir de uma negociação com a Procuradoria da República, Francisco voltou atrás e prometeu entregar a senha, desde que fossem acessadas somente informações que guardem alguma relação com os supostos crimes investigados, segundo o procurador Ivan Marx. Houve decisão da Justiça neste sentido, mas sem a ressalva sobre o que pode ser acessado, o que levou a uma nova judicialização, diz o procurador. Até agora, a senha não foi entregue.
Delatores também pediram para que não se proceda a análise de documentos apreendidos na Operação Bullish. A Justiça não concordou até o momento, e a análise prossegue, conforme Marx.
O grupo também buscou a derrubada de medidas cautelares de bloqueio de bens, impedimento de alteração de composição acionária e proibição de venda de ativos. Em primeira instância, a Justiça Federal negou. No TRF, houve decisões favoráveis ao grupo, permitindo o acesso a bens pessoais e a venda de empresas.
— Eles argumentam que não podem ser objeto de medidas constritivas porque eles têm imunidade. E na Bullish a gente aponta possível gestão temerária do BNDES nos aportes da JBS. A gente chega em valores que ultrapassam R$ 1 bilhão em prejuízos, e isso não é objeto da delação. Aí vem a questão jurídica. Nós entendemos que eles não podem ter imunidade por um fato que eles não delataram. Se a gente provar que o fato existe, eles não podem ter imunidade. Das duas uma: ou cai toda a delação, porque eles omitiram, ou ao menos não se aplica neste caso. Quem tem de decidir depois é a Procuradoria Geral da República (PGR) — diz Marx.

A Procuradoria da República enxerga uma semelhança com as delações da Odebrecht, que também é alvo de uma investigação na primeira instância da Justiça Federal no DF. O Ministério Público Federal (MPF) já denunciou Marcelo Odebrecht, o ex-presidente Lula e mais nove pessoas por suspeitas de fraudes em contrato com o BNDES para financiamento internacional de obras em Angola.

IMPASSE PODE IR PARA O STF
Segundo o procurador Marx, a empreiteira não faz uma ofensiva para barrar a investigação, até por não ter conquistado a imunidade que a J&F recebeu em sua colaboração premiada, mas se nega a admitir irregularidades nos contratos com o BNDES, o que pode se configurar uma omissão na delação, conforme Marx.
— A Odebrecht também delatou, mas não admite existir problemas nos empréstimos para exportação de serviços. Quando ela vem, delata e fala sobre nosso caso de Angola, vai totalmente contra a denúncia. A denúncia fala em exportação de corrupção para Angola buscando benefícios de realizar obras lá, sem que MPF e TCU pudessem fiscalizar. A delação nega a existência disso — afirma o procurador.
Marx acredita que, no caso da J&F, a situação será resolvida no STF. Ele diz que pode denunciar o grupo pelos fatos investigados na Operação Bullish e, em caso de contestação da defesa no Supremo, haveria ali espaço para a discussão sobre a imunidade concedida no acordo de delação.
— A Bullish não existe no acordo de Joesley. Minha função, da PF e do TCU é tentar comprovar que ela existe. Depois é um problema que a PGR vai ter de decidir. Ou nós inventamos a Bullish e o Joesley está certo, dizendo que não existe nada aqui, ou a gente consegue comprovar os fatos e se discute a situação dele, pois ele omitiu isso. Eles estão imunes em relação a tudo, mas para receber imunidade eles precisam ter falado a verdade. Se eu comprovar que eles mentiram... Imagine a situação: eu cometi homicídio, confesso e ganho imunidade geral, e aí se comprova que eu matei mais duas pessoas, mas não falei sobre isso; vai valer a imunidade para essas outras duas mortes também? — questiona o procurador.

JBS: PROCURADOR É AÇODADO
Em resposta ao GLOBO, a J&F confirmou que o delator Francisco de Assis não forneceu a senha do celular apreendido. “Francisco, antes de ser colaborador, já era, há muitos anos, advogado do grupo e dos demais colaboradores, tendo assim a obrigação de se cercar de todos os cuidados necessários relativamente ao seu sigilo profissional, não somente naquilo que não diga respeito ao objeto da colaboração, mas em tudo que estiver protegido pela lei. Exatamente por isso buscou e obteve liminar, ainda válida, aliás, para impedir que seu telefone e seus documentos fossem analisados”, diz a assessoria de imprensa do grupo.
Conforme o grupo, Francisco foi o único delator que pediu para que não fossem analisados os documentos apreendidos. “Os colaboradores vêm cumprindo todos os prazos determinados para a entrega dos documentos, devendo-se ressaltar que ainda há anexos e documentos novos sendo apresentados perante a PGR, dentro do prazo estipulado no acordo.“
O grupo fez uma crítica ao procurador responsável pela Operação Bullish: “Estranha a defesa que o procurador, de forma açodada, tenha afirmado, mesmo antes da finalização das investigações e, acima de tudo, antes do fim do prazo previsto no acordo para novos complementos, que não reconhece como válido acordo validado pelo Pleno do STF.”

'NÃO ENTREGAM NADA E AINDA QUEREM ATRAPALHAR'
Em entrevista, Procurador Ivan Marx defende consulta prévia à 1ª instância, antes dos acordos de delação no âmbito da PGR

No caso da delação da J&F, assinada com a PGR e homologada pelo STF, faltou articulação com os investigadores de 1ª instância?
Talvez uma melhor prática seria chamar o procurador natural no momento da negociação. Nós investigamos os negócios da JBS com o BNDES, que é o mais grave em relação à JBS, porque ela se internacionalizou baseada no BNDES. Talvez eles devessem ter pego um feedback de cada investigador. No fim e ao cabo, a decisão é do procurador-geral da República, que tem conhecimento de tudo. Mesma coisa com Odebrecht. Nós temos um processo aqui sobre Angola e não fomos consultados. O que afirmam vai de encontro ao que a ação penal diz. No meu caso, não caberia nenhum benefício, não está me entregando nada. O caso da JBS é ainda pior. Não entregam nada e ainda querem usar a imunidade para atrapalhar a investigação do caso.

Teria fechado essa delação dos executivos da J&F?
Não sei, porque não tenho a informação total. Em relação à Bullish, nem sequer há uma delação. Há uma defesa, ele diz que não cometeu crime. Eu não poderia dizer um benefício que ele poderia receber, porque isso é a soma do todo. Nunca vou saber o quanto ele merecia ou não.

O senhor acha que as delações têm de passar por um processo de revisão, na gestão de Raquel Dodge?
Não é uma revisão. Seria uma dica para as próximas delações. Chamar os procuradores naturais. Parece lógico: “Olha, o delator, em relação ao seu caso, disse que pode trazer provas. Interessa à sua investigação?” “Sim, eu acho que cabe benefício.” Aí outro colega vai dizer: “Não, no meu caso ele está omitindo.” De posse de toda essa informação, o PGR teria uma noção melhor do quanto ele pode negociar, quanto pode dar de benefício.

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