sábado, maio 19, 2018

‘Delivery de propina’ abasteceu Yunes e Cabral, diz MPF

Se os doleiros da Lava Jato funcionavam como banco paralelo da corrupção, uma única transportadora de valores é hoje considerada pelo Ministério Público Federal o “caixa eletrônico” da propina. A empresa, que em São Paulo operava como Transnacional, e, no Rio de Janeiro, sob o nome de Transexpress, é acusada pelo MP de ter feito entregas de dinheiro  às campanhas do senador Ciro Nogueira (PP) e do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) e, como se descobriu recentemente, do presidente Michel Temer (MDB), por meio de seu amigo José Yunes. Dois ex-motoristas da empresa depuseram à Polícia Federal e relataram terem ido ao escritório de Yunes, em São Paulo, para entregar envelopes com dinheiro vivo. O nome da companhia também foi encontrado nos registros da portaria de um escritório ligado à senadora Gleisi Hoffmann (PT).
O delivery dos chamados “clientes vips” funcionava da seguinte maneira: o dinheiro saía da empresa em carros fortes. No meio do caminho, era transferido para carros convencionais blindados para não chamar a atenção. O transportador recebia uma planilha com o endereço da entrega e o nome do contato, e era informado verbalmente de uma senha que deveria ser dita pelo destinatário para efetivar a operação – geralmente, o nome de uma fruta. Após o serviço, o documento era destruído para não deixar rastros. Essas informações constam do depoimento de um terceiro motorista, Geraldo Oliveira, no inquérito que investiga o senador Ciro Nogueira.
Oliveira contou ter ido buscar remessas no prédio da Odebrecht e feito entregas a um assessor de Ciro Nogueira, Lourival Nery Júnior. A foto dele também aparece em três registros na portaria do escritório do marqueteiro de Gleisi, Oliveiros Marques, dono da Sotaque Publicidade e Propaganda. Tanto Lourival quanto o publicitário negam ter recebido dinheiro ilícito transportado pela Transportadora.
O motorista disse ainda que os carregamentos eram limitados a quantias de 250.000 reais. No segundo semestre de 2014, no entanto, o teto foi ampliado para 500.000 reais e as remessas passaram a ser mais frequentes – coincidentemente, no período da campanha eleitoral daquele ano. “Quando algum recebedor pedia a contagem, era aberto o pacote e contavam as ‘cabeças’.” Ele explica: “Cabeças são pequenos pacotes de 100 cédulas de um mesmo valor”, disse.
O dono da transportadora é o policial civil aposentado David Augusto da Câmara Sampaio, que jamais constou da lista de sócios, mas sempre mandou no negócio, segundo procuradores que investigam a transportadora no Rio de Janeiro. Sampaio chegou a ser preso junto com o empresário Jacob Barata na Operação Ponto Final, em julho de 2017, depois que seu nome foi encontrado em mensagens que combinavam a entrega de propina ao ex-governador Sérgio Cabral. Foi solto ainda em 2017 por um habeas corpus do ministro Gilmar Mendes. Entre os indícios, a PF interceptou conversas por e-mail que o tratam como “Davi, da Transexpress”, a sua mãe aparece como sócia formal de 33% da empresa, e uma cópia da declaração de imposto de renda da mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, foi encontrada em sua sala na companhia. Além de ex-detetive, Sampaio trabalhou até 2016 como assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
A reportagem tentou contato com o advogado de Sampaio, Fernando Martins, mas ele não foi localizado. Em seu depoimento à PF, Sampaio nega ser o dono da empresa. Diz ser apenas da “área de relação comercial”. Afirma que teve relação com a equipe de Cabral por ter feito a segurança de sua campanha a governador.

Entregas a Yunes

O ex-policial militar Abel de Queiroz, que trabalhou para a transportadora, disse ter “certeza absoluta” de que fez pelo menos duas entregas no escritório do advogado José Yunes na Zona Sul de São Paulo. Estava acompanhado de um outro motorista chamado Oliveira e do vigilante Wilson Francisco Alves, que confirmou a versão aos investigadores.
A declaração de Abel e Wilson fecha o roteiro que foi delatado pela Odebrecht em relação ao envio de 1 milhão de reais de caixa 2 para campanhas do MDB – o valor teria sido acertado com o presidente Michel Temer. O próprio Yunes admitiu ter recebido em uma oportunidade o “envelope grosso”, sobre o qual avisou ao presidente. Segundo ele, não sabia do seu conteúdo e agiu como “mula involuntária” do ministro Eliseu Padilha, que lhe pediu para receber a soma. Quem a apanhou foi o operador financeiro do MDB e – agora delator premiado – Lúcio Bolonha Funaro. “Nenhum doleiro vai entregar 1 milhão no escritório de ninguém sem segurança”, disse ele à Procuradoria Geral da República (PGR).
Os ex-funcionários decidiram contar o que sabem às autoridades depois que foram deixados na mão pela empresa, que quebrou no fim de 2015, com a Lava Jato a pleno vapor – segundo os sindicatos da categoria, a empresa deve mais de 10 milhões de reais em dívidas trabalhistas. A transportadora tinha mais de 2 000 funcionários no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais; mais de 100 carros fortes, e uma vasta carteira de clientes, que incluía Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O maior percalço ocorreu em junho de 2015, quando um incêndio devastador atingiu o cofre da sede da empresa no Rio, incinerando nada menos que 130 milhões de reais (35 milhões só do Banco do Brasil e 28 milhões só da Caixa) – isso sem contar a quantia não contabilizada que, por motivos óbvios, ninguém reclamou. Por suspeita de tramoia, a seguradora se negou a ressarcir a empresa. Um inquérito sigiloso apura se a dinheirama, de fato, virou pó.
A empresa hoje está atolada em dívidas e processos de despejo e falência. Abandonada, a sede em São Paulo onde havia pelo menos 30 blindados foi depenada por bandidos.

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