sábado, junho 13, 2015

Os documentos da Receita que apontam irregularidades na venda de Neymar ao Barcelona

THIAGO BRONZATTO

Com fama de durão e exibindo no currículo uma investigação contra o ETA, o grupo terrorista basco, o procurador Jose Perals Calleja toca na Espanha a investigação sobre a transferência do craque Neymarpara o Barcelona. Em fevereiro, Calleja esquadrinhou, em parecer apresentado à Justiça espanhola, todas as sonegações envolvidas na engenharia financeira que viabilizou a ida do santista para o clube catalão, em 2013. No relatório, ele registra o valor de € 12,14 milhões (R$ 42,6 milhões, em valores atuais) como “impuestos no pagados” (impostos não pagos) na negociação. Uma das operações financeiras chamou a atenção do procurador: um “empréstimo” (assim mesmo, com aspas, para denotar simulação) entre o Barcelona e a empresa do pai de Neymar, a N & N Consultoria Esportiva e Empresarial, no valor de € 10 milhões (R$ 22,4 milhões). Com estilo direto que dispensa tradução, o procurador relatou que o dinheiro foi repassado “sin intereses (juros) ni garantia de ningún tipo”, para esconder uma remuneração antecipada. Estimou a sonegação em € 2,4 milhões (R$ 8,4 milhões, em valores atuais). Essa operação simulada tornou o Barcelona réu de um processo na Espanha. Aqui, pôs Neymar e seu pai sob investigação da Receita Federal, como revelou ÉPOCA na edição passada.
DISCREPÂNCIAS Neymar e seu pai, no ano passado, em Teresópolis. Abaixo, documento da Procuradoria-Geral da Fazenda aponta “divergências” nos contratos da venda ao Barça (Foto: Marcelo Regua/Reuters)
Documento da Procuradoria-Geral da Fazenda aponta “divergências” nos contratos da venda ao Barça (Foto: reprodução)
Agora, novos documentos obtidos pela reportagem em processo que tramita em sigilo na Justiça Federal de São Paulo apontam outras irregularidades no campo fiscal e penal. Segundo parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de abril passado, o Ministério Público Federal em Santos já identificou que “existem possíveis discrepâncias entre a documentação apresentada por meio de cópias e as originais”. Essas divergências nos papéis da venda e o empréstimo simulado resultaram em processos da Receita, que se materializaram preliminarmente no arrolamento de bens do jogador. Essas ações do Fisco devem culminar na maior multa já aplicada pela Receita a um esportista no Brasil. Além disso, devem fundamentar, ainda, a denúncia do procurador Thiago Lacerda, por falsidade ideológica, entre outros crimes, contra o clã Neymar.
A falta de correspondência entre cópias de contratos que deveriam ser espelho fiel dos originais só foi revelada porque o pai de Neymar resolveu travar uma batalha legal para negar o acesso da Receita à documentação. Durante as investigações do Fisco, os auditores pediram para ter acesso aos documentos e contratos originais da N & N com o Barcelona. A empresa negou e recorreu à Justiça para evitar a entrega do material. Derrotada, foi obrigada a entregar os documentos aos auditores em Santos. Eles repassaram os contratos originais ao MPF.
Desde então, os advogados da N & N passaram a ter uma nova missão, até agora sem sucesso: inviabilizar o uso dos documentos originais pelo MPF, responsável pela investigação criminal da operação. Um dos pontos de controvérsia está no primeiro contrato assinado entre a N & N e o ex-jogador santista. Nesse acordo, consta a data de 27 de abril de 2011. Probleminha: a empresa ainda não existia. Só foi criada meses depois. Os advogados da companhia alegam que foi um erro de digitação. Em meados de maio, o pai de Neymar prestou depoimento ao MPF. Negou que tenha cometido qualquer irregularidade.
A compra de Neymar pelo Barcelona compõe-se de uma barafunda de operações financeiras complicadas, como já mostrara em outubro de 2014 o blog do jornalista Rodrigo Mattos no site UOL. No papel, a compra começou em 18 de outubro de 2011, quando foi criada a N & N Consultoria Esportiva e Empresarial, cujos sócios são os pais do craque brasileiro. Oito dias depois, a companhia assinou um contrato com o jogador para assessorá-lo em sua carreira. No dia 10 de novembro, assinou-se uma emenda ao novo acordo. Foram incluídas cláusulas mais específicas, como a autorização para negociar os direitos federativos de Neymar com um clube europeu que tivesse um bom desempenho na Liga dos Campeões – e topasse pagar um salário de ao menos € 5 milhões (R$ 11 milhões, em valores da época). Em março de 2012, a empresa de consultoria N & N emprestou R$ 22,4 milhões para seus sócios, os próprios pais de Neymar, sem juros ou exigências de garantia. É o tal empréstimo sem “impuestos pagados”.
As duas operações de crédito, bastante incomuns no mercado, suscitaram as suspeitas de uma simulação por parte da Receita, como já foi identificado na Espanha. Ou seja, o empréstimo, na verdade, não era um empréstimo real, mas sim um pagamento antecipado, sujeito à tributação. Procurada, a N & N não comentou.

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