quinta-feira, dezembro 14, 2017

Na pele: Maracanã vira palco de guerra antes e depois da decisão


O dia de um jornalista escalado para um jogo de futebol começa muito antes de a bola rolar. Hoje, por exemplo, começou logo cedo, com a informação de que o presidente Eduardo Bandeira de Mello teve de se desculpar com dirigentes do Independiente durante um jantar entre as diretorias na terça por causa da violência na porta do hotel dos argentinos, no Rio.
Confusão na entrada de torcedores com grades derrubadas: cena tem sido corriqueira em decisões do Flamengo (Foto: Raphael Zarko)Confusão na entrada de torcedores com grades derrubadas: cena tem sido corriqueira em decisões do Flamengo (Foto: Raphael Zarko)Confusão na entrada de torcedores com grades derrubadas: cena tem sido corriqueira em decisões do Flamengo (Foto: Raphael Zarko)
Mas, na verdade, a confusão de verdade começou antes. Em Buenos Aires, brasileiros foram chamados de macacos por torcedores do Independiente – a diretoria do clube se desculpou. Mas não adiantou. Na terça à noite, torcedores rubro-negros foram ao hotel do adversário. Alguns soltaram fogos, outros brigaram com argentinos.
Voltando ao dia do jogo valendo o título da Sul-Americana...
Título de matérias sobre confusões em jogos decisivos do Flamengo em 2017 (Foto: GloboEsporte.com)Título de matérias sobre confusões em jogos decisivos do Flamengo em 2017 (Foto: GloboEsporte.com)Título de matérias sobre confusões em jogos decisivos do Flamengo em 2017 (Foto: GloboEsporte.com)
Cheguei ao Maracanã por volta de 18h40. O clima era tranquilo, mas sabem aquela sensação de que a qualquer momento algo vai acontecer? Então. Era isso que eu e vários outros colegas sentíamos. Mas, sinceramente, isso também aconteceu antes dos jogos contra Botafogo e Cruzeiro, na semi e na final da Copa do Brasil.
Torcedores do Independiente provocam flamenguistas do lado de fora do Maracanã
Dessa vez, porém, tinha um agravante: os argentinos não estavam perdendo a chance de provocar. E todo o tipo de provocação – sem racismo. Um deles, bem perto de mim e de um amigo, cuspiu em torcedores rubro-negros, separados apenas por uma grade de segurança e poucos policiais.
Ônibus de torcedores do Independiente com os vidros quebrados (Foto: Raphael Zarko / GloboEsporte.com)Ônibus de torcedores do Independiente com os vidros quebrados (Foto: Raphael Zarko / GloboEsporte.com)Ônibus de torcedores do Independiente com os vidros quebrados (Foto: Raphael Zarko / GloboEsporte.com)
Até então, só se via argentinos provocando brasileiro, brasileiro provocando argentino... Até que alguns torcedores do Independiente passaram caminhando por um grupo maior de flamenguistas. Começou, ali, bem antes de a bola rolar, todo o clima de guerra no entorno do Maracanã. Várias bombas foram lançadas pela Polícia Militar, que decidiu aumentar o espaço reservado só para os visitantes na rua Eurico Rabelo.
Depois disso, eu deixei a entrada dos argentinos e fui dar voltas no Maracanã – como toda vez algum repórter faz. Dessa vez, era eu.
Torcedores do Flamengo forçam entrada e invadem o Maracanã
Apesar de não ter nenhuma confusão na chegada de torcedores pelo metrô, o clima continuava estranho. Era clara a tensão no olhar de crianças e pais. No caminho para a Avenida Maracanã, andando pela Radial Oeste, dois torcedores seguraram minha mochila. Eu olhei para trás e os dois, rindo, saíram correndo. Nessa mesma hora, um outro homem pulou um portão e entrou no Maracanã sem ingresso. Começou o caos por causa de invasões.
Polícia Militar tentando conter, sem muito sucesso, as invasões ao Maracanã (Foto: Raphael Zarko)Polícia Militar tentando conter, sem muito sucesso, as invasões ao Maracanã (Foto: Raphael Zarko)Polícia Militar tentando conter, sem muito sucesso, as invasões ao Maracanã (Foto: Raphael Zarko)
A Polícia Militar, para afastar os torcedores, independentemente de quais torcedores sejam e quais suas intenções, joga bomba de efeito moral e gás de pimenta e atira com bala de borracha. O corre-corre é natural.
Confusão durante entrada da torcida do Flamengo no Maracanã
Acalmada a confusão na Radial Oeste, fui para a Avenida Maracanã – mais relatos de invasões. E, dessa vez, em grande quantidade. Chegando lá, o olho já ardeu. Mais sinal de briga. Mais sinal de gás de pimenta. A única solução era ficar na esquina, em frente à bilheteria 4, esperando o tumulto diminuir.
Mas o cenário não mudava. A todo momento, mais invasão, mais corre-corre, mais gás de pimenta, mais bomba de efeito moral, mais bala de borracha.
Confusão no entorno do Maracanã durante final entre Flamengo e Independiente
Parecia uma guerra sem fim e que só piorava. Tentei me aproximar algumas vezes, mas fui ameaçado, ouvi tiros de balas de borracha, fiquei no meio da multidão voltando da confusão... Porque, na verdade, a origem dessa guerra, os torcedores sem ingressos e querendo invadir, fugia e voltava, claramente desafiando a segurança.
Garoto tenta se proteger dos efeitos do spray de pimenta (Foto: Amanda Kestelman / GloboEsporte.com)Garoto tenta se proteger dos efeitos do spray de pimenta (Foto: Amanda Kestelman / GloboEsporte.com)Garoto tenta se proteger dos efeitos do spray de pimenta (Foto: Amanda Kestelman / GloboEsporte.com)
Decidi, então, continuar dando minha volta no Maracanã, que já durava quase duas horas. Pelo lado oposto da Avenida Maracanã, mais longe do estádio, caminhava e olhava para os lados. Quando, mais uma vez, outra confusão. Agora, porém, maior, com mais torcedor envolvido, mais gás de pimenta... Corri.
Posto de gasolina serviu como local de fuga para famílias rubro-negras antes de o jogo começar (Foto: Bruno Giufrida / GloboEsporte.com)Posto de gasolina serviu como local de fuga para famílias rubro-negras antes de o jogo começar (Foto: Bruno Giufrida / GloboEsporte.com)Posto de gasolina serviu como local de fuga para famílias rubro-negras antes de o jogo começar (Foto: Bruno Giufrida / GloboEsporte.com)
A saída foi me esconder em um posto de gasolina um pouco mais à frente, na Avenida Maracanã, também. Alguns minutos depois, com o clima um pouco mais tranquilo (doce ilusão), decidi voltar para a Eurico Rabelo para, finalmente, entrar no estádio. A guerra não tinha acabado ainda.
Torcedores do Flamengo tentam invadir perto da área da tribuna de honra
Perto do portão 10, um grupo de torcedores rubro-negros, correndo, gritando e jogando bombas, avisava que ia invadir e confrontava a cavalaria da Polícia Militar. Voltei para o posto de gasolina. O único lugar, naquele momento, seguro.
Crianças e famílias também aguardavam no local. A confusão só aumentou: os policias afastaram os rubro-negros sem ingressos com todas as armas que já falei antes. Dessa vez, a Avenida Maracanã foi praticamente toda fechada na frente do estádio. Só a cavalaria ficava ali.
Bomba lançada entre as torcidas de Flamengo e Independiente do lado de fora do Maracanã (Foto: Raphael Zarko / GloboEsporte.com)Bomba lançada entre as torcidas de Flamengo e Independiente do lado de fora do Maracanã (Foto: Raphael Zarko / GloboEsporte.com)Bomba lançada entre as torcidas de Flamengo e Independiente do lado de fora do Maracanã (Foto: Raphael Zarko / GloboEsporte.com)
O porém é: a cada minuto que passava, a impressão não era de que o caos acabaria, mas de que quem estava do lado de fora e provocando toda essa confusão continuaria ali. Só mudaria o portão, como tinha acontecido desde o começo da noite.
Deixei o posto e consegui entrar no estádio. Da sala de imprensa, enquanto escrevia esse texto, ouvi várias bombas, mais alguns tiros.
Torcedores do Flamengo chutam carros na saída do Maracanã
Dentro do estádio, das arquibancadas, uma enormidade de rojões eram estourados a todo momento. Arremessaram morteiros até no teto do Maracanã, de lona. É comum ouvirmos bombas durante as partidas no palco da final desta quarta, mas foi acima do normal.
E, como esperado, depois do apito final, a confusão recomeçou fora do Maracanã de novo. Dessa vez, ainda pior.
Assim que a decisão acabou, peguei o elevador com a Amanda Kestelman e o Fred Gomes, companheiros de cobertura do Flamengo. Descemos para o térreo e, por causa do barulho do lado de fora, fomos ver o que estava acontecendo. Nessa hora, uma bomba estourou dentro do Maracanã, perto da Amanda e de outra colega. O caos estava instaurado.
Confusão na saída do Maracanã (Foto: Bruno Giufrida)Confusão na saída do Maracanã (Foto: Bruno Giufrida)Confusão na saída do Maracanã (Foto: Bruno Giufrida)
De dentro do estádio, víamos grades sendo arremessadas de cima para baixo, bombas sendo jogadas pela Polícia Militar, tiros (de bala de borracha ou não, não era possível identificar), gás de pimenta, crianças chorando, pessoas correndo de volta para perto dos portões, já fechados - ninguém entrava ou saía.
Os relatos, de quem estava do lado de fora do Maracanã, eram de desespero. Eu mesmo tentei dar dicas simples para quem sofria com o gás de pimenta, como para não esfregar as mãos nos olhos. O desespero tomava conta de quem estava fora do estádio. Quem estava dentro não sabia muito o que fazer, mas tomava a decisão mais prudente, de esperar o fim das confusões.
Pai dá água para criança após gás de pimenta (Foto: Bruno Giufrida)Pai dá água para criança após gás de pimenta (Foto: Bruno Giufrida)Pai dá água para criança após gás de pimenta (Foto: Bruno Giufrida)
Pelas frestas das grades fechadas e cheias de gente, conseguíamos ver cavalaria para cima e para baixo, crianças com os olhos fechados e muita correria.
No fim, antes da volta para casa, uma passada rápida no Jecrim, o Juizado Especial Criminal do Maracanã. Saldo da noite: cerca de 15 detidos (o relatório final ainda não estava pronto), com três presos.

0 comentários:

Postar um comentário