sexta-feira, agosto 23, 2013

Justiça recua e desocupação do Cocó é interrompida após clima de tensão

Juíza havia concedido liminar de reintegração de posse, mas decidiu, ontem, que a União também deve ser ouvida
Terminou em comemoração o que, por pouco, não se transformou num grande conflito. No instante em que homens do Batalhão de Choque da Polícia Militar (PM) se preparavam para invadir o acampamento montado há mais de um mês no Parque do Cocó, a juíza Joriza Magalhães Pinheiro, da 9ª Vara da Fazenda Pública, que havia determinado a retirada dos ocupantes, voltou atrás e revogou a liminar que pedia a reintegração de posse.

Manifestantes se amarraram às árvores e se prenderam uns aos outros com correntes. Como eles se recusaram a receber a decisão judicial, o oficial de Justiça leu o documento em voz alta, enquanto o grupo cantava Foto: Natinho Rodrigues
A magistrada determinou a intimação do ente Público Federal, através da Advocacia-Geral da União, argumentando que foi convencida "diante das manifestações apresentadas pelo Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União, dando conta de possível interesse da União na posse da área objeto da ação". A União terá cinco dias para se pronunciar sobre o assunto.

Foram momentos de grande tensão e de muitas negociações. Por volta das 6h30, por ocasião da realização de um culto ecumênico, oficiais de Justiça chegaram ao local para dar ciência da decisão judicial, que previa a desocupação em três horas. Os acampados se recusaram a receber o documento. Então, o oficial de Justiça Edmílson de Paula leu a determinação em voz alta. Enquanto isso, o grupo fez um círculo e começou a cantar.

A partir daí, os ocupantes passaram a se mobilizar através de redes sociais, convocando mais militantes para engrossar o protesto contra a construção dos dois viadutos na confluência das avenidas Engenheiro Santana Júnior e Antônio Sales.

Diante da iminência da presença policial, manifestantes gritavam palavras de ordem. Ao mesmo tempo, outros grupos aguardavam pelo resultado de um agravo de instrumento solicitado à Justiça por advogados do Instituto Vira Mundo, tentando sustar a liminar que determinava a reintegração de posse.

Por um lado, aumentava a apreensão sobre a ação da PM; por outro, chegavam de ônibus a todo instante com mais militantes para se juntar aos acampados, inclusive representantes indígenas, reforçando, assim, a manifestação, que chegou a contar com cerca de 400 pessoas.

Intermediação
Por volta das 9h50, uma comissão de 20 advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE) chegou ao local. O presidente da Ordem, Valdetário Monteiro, explicou que o grupo iria intermediar a negociação.

Valdetário recebeu a informação de alguns manifestantes de que estaria havendo uma mobilização de representantes da Câmara Municipal e de várias entidades para convencer o prefeito Roberto Cláudio a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que o gestor se comprometa a analisar alternativas aos viadutos em troca da saída pacífica dos manifestantes.

O pessimismo começou a tomar conta dos operadores da Justiça às 10h45, quando agentes da Autarquia Municipal de Trânsito Serviços Públicos e Cidadania (AMC) bloquearam todos os acessos ao local, fechando a Avenida Antônio Sales, à altura do viaduto da Via Expressa, e a Engenheiro Santana Júnior, nas confluências com as ruas Henriqueta Galeno e Isac Amaral. Era o mote para a chegada do Batalhão de Choque.

Menos de 15 minutos depois, várias viaturas da PM ocuparam a Antônio Sales, coordenados pelo coronel Carlos Ribeiro, titular do Comando de Policiamento da Capital. Representantes da OAB, Ministério Público e Defensoria Pública se reuniram no canteiro central da Santana Júnior em busca de uma solução para evitar o conflito, que parecia ser apenas questão de tempo.

No lado de dentro, alguns jovens se acorrentavam, utilizando cadeados para se prenderem uns aos outros. Alguns subiram e se amarraram nas árvores.

Os oficiais de Justiça dão um último aviso aos manifestantes, que eles devem sair imediatamente pois, do contrário, a força policial seria usada. Depois, são abordados por representantes da OAB, Ministério Público, Defensoria e políticos que tentavam intermediar a negociação, como os vereadores João Alfredo e Toinha Rocha, do Psol.

O oficial de Justiça Edmilson de Paula se dirigiu na companhia do grupo até o coronel Carlos Ribeiro para conversarem sobre o apelo para se elastecer o prazo de retirada para as 15h, enquanto aguardavam alguma decisão judicial que reformulasse o pedido de reintegração.

Confira vídeo da decisão da Justiça




Revogação
Após um rápido acordo, as partes fixaram o horário das 13h30 para esperar por nova medida judicial. E ela veio cerca de 15 minutos depois, com a ordem da juíza Joriza Pinheiro sustando sua decisão anterior. A PM deu meia volta e foi embora.

A notícia foi comemorada pelos ocupantes. Primeiramente, se abraçaram, tiraram as correntes e dançaram o toré. Depois, deram um abraço simbólico no local onde a Prefeitura pretende construir os viadutos. Aos cantos de "o Cocó é nosso", soltaram um grito de alívio. Pelo menos, até a próxima liminar.

Falta de regularização da área gera dúvidas
Desde que a ordem de serviço para a construção dos dois viadutos na confluência das avenidas Antonio Sales e Engenheiro Santana Júnior, no Cocó, foi assinada, no último dia 5 de julho, sete decisões judiciais embargaram e liberaram a construção. O fato de que, legalmente, o Parque Ecológico do Cocó ainda não existe, pois não foi criado por uma lei, gera diversas dúvidas em relação à normatização do espaço.

Segundo o vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Ceará (OAB-CE), Ricardo Bacelar, as questões que envolvem o direito ambiental são complexas. "Como o Cocó não é regulamentado, várias teses podem ser geradas".

Além disso, Bacelar, destacou que também existem divergências em relação ao responsável por aquela área, pois o município, o Estado e a União estão envolvidos. "Acredito que tudo deva ser resolvido rapidamente devido ao interesse publico nesta questão", opina.

O vice-presidente da OAB ainda ressaltou que a instituição acredita que o Cocó deva ser regulamentado. "Na audiência sobre mobilidade urbana, promovida pela OAB, o consenso foi de que a regulamentação precisa ser realizada", comentou.

Competência

Para a professora de Direito Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), Geovana Cartaxo, as divergências em relação à competência sobre o local motivaram o número de ações. "Os grandes interesses envolvidos também são parte do motivo", explicou. Ela avalia que é muito importante que as leis envolvendo o Parque do Cocó sejam adequadas, principalmente porque a primeira delas é de 1989 e, a última, do ano 2000.

A assessoria de comunicação da Prefeitura de Fortaleza informou que, por enquanto, a gestão vai apenas aguardar as decisões da Justiça, pois o pedido de reintegração de posse do terreno foi feito pelo Estado.

Até o fechamento desta edição, a assessoria de comunicação do governo do Estado não informou quais serão as suas próximas ações.

FERNANDO MAIA/THIAGO ROCHAREPÓRTERES


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