quarta-feira, abril 29, 2015

Lotação também na rede particular

Em hospitais privados, pacientes esperam em pé por atendimento na emergência; demora chega a uma hora

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Doenças sazonais típicas da época de chuva estariam contribuindo para o cenário de caos, conforme vice-presidente da Ahece
FOTO: NATINHO RODRIGUES
Emergências lotadas. Pacientes aguardando em pé. A espera por atendimento com um clínico geral ou pediatra chega a durar uma hora e, em alguns casos, até mais. Filas. Angústia de quem busca um atendimento rápido, que não vem. O cenário comumente relacionado ao Sistema Único de Saúde (SUS) é também o retrato da rede privada em Fortaleza. Na Capital, os gargalos que fizeram esses pacientes "migrarem" do SUS acentuam-se no sistema privado.
Às 10h30, a senha de atendimento no Hospital Antônio Prudente, no Bairro de Fátima, para clínico geral, apontava na tela o número 436. Em 15 minutos, outros 17 pacientes já haviam chegado e ampliado essa demanda. No total, segundo informado pelos funcionários da unidade à equipe de reportagem do Diário do Nordeste, não identificada, 12 médicos faziam o atendimento naquele momento. Fora dos consultórios, filas, queixas e pedidos de celeridade nas consultas, já que muitos enfermos esperavam em pé.
"Tempo demais para quem vem para cá cheio de dores", reclama o vigilante Vicente de Paulo, que segundo ele, há 40 minutos esperava pela consulta emergencial na unidade. Com o pé machucado, Vicente ausentou-se do trabalho para buscar atendimento. "Posso garantir que a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) está melhor", compara.
No Hospital São Carlos, no Dionísio Torres, as cadeiras da emergência onde pacientes, sobretudo idosos, tentavam descansar enquanto aguardavam a longa espera, também eram insuficientes. A microempresária Carla Medeiros Rocha diz ter chegado à unidade às 10h com sintomas de dengue, mas às 12h ainda não havia sido atendida. "Já vi pessoas passando mal aqui. Indo embora sem ser atendida por conta da demora. E soube que só tem um clínico geral. Vim para cá porque meu médico disse que em outras unidade está pior", conta Carla. Até as 12h, 342 senhas tinham sido registradas para atendimento com o clínico. Na emergência, também havia demanda por otorrino e traumatologista. Conforme informações dos funcionários, havia um médico para cada especialidade no momento em que a reportagem esteve no local.
Pediatria
O cenário se repete na área pediátrica. "Achamos que meu filho está com pneumonia, e ele está deitado no chão, porque não tem onde esperar", lamenta a agricultora Luzivânia Gomes, na unidade Luís de França, no Centro. Com o filho de 6 anos, ela aguardava atendimento há uma hora, segundo ela. Na unidade, segundo informações dos funcionários, 13 pediatras atendiam pela manhã.
Os corredores da emergência estavam lotados. E outras mães que não quiseram ser identificadas reiteram as queixas. "Já cheguei a esperar uma hora para atendimento do meu filho de 2 anos que estava vomitando e com febre, posso garantir que a situação é recorrente", reforça outra mãe. No painel, a senha registrava o número 332 de demanda por atendimento pediátrico, por volta das 11h30.
No Centro Pediátrico da Unimed, no Joaquim Távora, havia lotação na recepção da emergência, mas o fluxo de atendimento seguia mais rápido do que nas demais unidades. Ainda assim, pais reclamavam da demora. "Comecei a pagar o plano agora, e levei mais de duas horas para ter atendimento para minha filha de 9 anos, que está com dor de barriga e febre", reclama uma mãe que não se identificou.
O vice-presidente da Associação de Hospitais do Estado do Ceará (Ahece), Randal Pompeu Ponte, diz que três fatores podem explicar os gargalos. "Emergência é um dos setores que no Brasil ou fora dele é sempre um serviço crítico pela própria natureza", garante. Segundo o médico, na tentativa de atender com rapidez, o País adotou a classificação de risco como critério de atendimento nas unidades.
Além disso, ele avalia que, nos últimos tempos, os planos passaram a atender uma parcela da população que antes era direcionada ao SUS. "Os planos, principalmente os coletivos, custeados pelas empresas, geraram um outro contingente que antes não estavam sendo atendidos na rede privada, e isso gerou sobrecarga", afirma o médico, ressaltando que o período de chuva, que aumenta as doenças sazonais, colabora para o cenário.
Planos de saúde
Por meio de nota, a assessoria de imprensa do Hapvida informou que triplicou a capacidade de atendimento no Hospital Luís França, ampliando de oito para 25 consultórios. Lá, conforme o comunicado, a espera média na emergência é de 27 a 60 minutos. Em relação ao Hospital Antônio Prudente, a seguradora esclarece que a unidade está passando por uma ampla reforma e que vai triplicar o atendimento em urgência e emergência. Segundo o Hapvida, a espera na unidade é de 25 a 48 minutos.
Em nota, a assessoria da Unimed garantiu que o Centro Pediátrico, neste período, chega a realizar 400 atendimentos a cada 24 horas. A seguradora diz não ter como precisar o tempo médio de espera, já que "a variação de volume de atendimento é grande, dependendo dos horários e dias". Na semana, nos horários de pico (10h e 17h) e nos fins de semana "a espera pode chegar a até duas ou três horas".
A Unimed garantiu que "está ampliando o atendimento clínico e neste ano vem mantendo volumes de atendimento 25% acima da média histórica".
Já a administração do Hospital São Carlos informou que quatro médicos fazem o atendimento na emergência da unidade, sendo um otorrino, um cardiologista, um clínico e traumatologista. A promessa é que, a partir de hoje, o atendimento com o otorrino seja transferido da área da emergência para liberar o espaço e "dar mais comodidade aos pacientes". De acordo com a administração, a situação constatada ontem é atípica e decorre do acréscimo de 30% da demanda neste período.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) explica que, em se tratando de urgência e emergência, o atendimento deve ser imediato e a prioridade deve ser definida conforme a classificação de risco estabelecida pela unidade. Essas medidas, segundo a ANS, são preconizadas pelo Ministério da Saúde.
Entrevista com Socorro Martins, secretária municipal de Saúde
Dengue causa procura maior
A que se deve o agravamento dessa crise na saúde?
O primeiro ponto é um problema epidemiológico do Estado e País. O primeiro semestre é um período em que há mais doenças agudas. Temos uma procura maior das unidades pela questão da dengue, mas também temos as condições viróticas, as patologias respiratórias.
As UPAs têm problemas semelhantes aos de hospitais de atendimento secundário. Por quê?
As UPAs vieram para ser um ponto da rede de atenção a urgência e emergência, mas, se eu não tiver organização para dar conta do retorno do paciente que foi visto na UPA, para voltar pra atenção primária, ele vai sentir falta da qualidade, da atenção. Por isso, a gente enfrenta o desafio de construir essa atenção primária dentro dessa lógica.
Fala-se em falta de profissional, financiamento restrito, problemas na gestão e em defasagem na tabela do SUS. De que forma essas questões afetam o sistema?
Não é uma questão só no nosso País, sabemos que o sistema de saúde é multifatorial. A gente precisa de uma soma desses fatores, ter recurso bem apropriado e alocado, mas também ter equipes especializadas.
Entrevista com Henrique Javi, secretário adjunto da Secretaria Estadual da Saúde
Reorientação é exigida
A que se deve o agravamento dessa crise na saúde?
O sistema de saúde é um ente complexo e que não pode ser reduzido a um modelo simplificado e definitivo. Há uma inerente entropia que exige reorientação e melhoria constantes. Daí inferir que o ciclo saúde-doença exige uma compreensão muito maior.
As UPAs têm problemas semelhantes aos de hospitais de atendimento secundário. Por quê?
As UPAs são unidades de atenção às urgências e emergências que, diante da necessidade, mantêm contato com a Central de Regulação do SUS para o encaminhamento de pacientes graves para hospitais de referência.
Fala-se em falta de profissional, financiamento restrito, problemas na gestão e em defasagem na tabela do SUS. De que forma essas questões afetam o sistema?
Estamos tratando de um sistema universal de atenção à população e, como tal, as cifras orçamentárias devem ser bem compatibilizadas com a dimensão da demanda exigida, o que depreende a inerente eficientização dos processos, tornando o sistema viável e sustentável.
Mais informações
No caso de não conseguir resolver o problema com o plano de saúde, o beneficiário pode contatar com a ANS por meio do 0800. 701.9656 e do site www.ans.gov.br

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